segunda-feira, dezembro 31

A vida segue

Um dos melhores momentos do meu 2007 foi o lançamento do Ades sabor banana. Eu adorei muito, muito. Só estou preocupada porque na embalagem está escrito que a edição é limitada. Se realmente o Ades banana sumir das prateleiras, eu vou escrever uma carta para o fabricante para que o sabor volte e seja eterno. Sou uma ávida consumidora de sucos Ades – gosto dos de uva, maçã, pera, laranja e abacaxi (o abacaxi com côco é intragável). E depois que experimentei o Ades banana, deixei os outros um pouco de lado.

Pra finalizar 2007, lembro uma história de minha querida sobrinha mais velha, a Sha, que hoje é uma moça de 21 anos. Ela era bem pequena, sei lá, tinha uns 3, 4 anos, e estávamos na virada do ano, quando ela saiu-se com essa: “Eu quero ver o Ano Novo!” E foi bem insistente. Ela queria porque queria ver o Ano Novo. Acho que é porque ela ouvia dizer que o Ano Novo estava ali, havia até uma festa pra chegada do dito cujo, e cadê ele? Eu desejo, então, que o Ano Novo chegue com muitas esperanças de que a nossa vida siga da melhor maneira possível.

sexta-feira, dezembro 28

A falta

Minha mãe sempre rezou muito. Tem uma ladainha de Nossa Senhora que a chama de Refúgio dos Pecadores. Este foi o primeiro Natal sem minha mãe. Correu tudo bem. Nos reunimos com meu pai, teve o tradicional amigo secreto, a ceia, o almoço de Natal. Tudo correu muito bem. Tinha árvore com luzinhas, presépio, não faltou abacaxi em calda de que minha mãe gostava tanto. A mesma farofa retirada do velho livro de receitas.

Mas faltou a minha mãe. Mesmo que ultimamente ela já não participava dos preparativos das festas em família, era bom saber que ela estava ali por perto. Todos os anos tínhamos que ir ao Correio enviar seus cartões de Natal, e depois correr de porta em porta para levar presentes para suas amigas, afilhadas, vizinhas, comadres.

Não foi disso que eu senti falta. Ela fez falta. Parece que o Natal tinha uma outra dimensão apenas com a sua presença. Porque ela nem falava muito. Mas sempre podíamos ir ao seu quarto, deitar ao seu lado, e ficar ali, caladas. Podíamos ir ali, com nossas dores, nossos segredos, e não havia qualquer confidência. Eu nunca dizia o que estava me afligindo. Nem precisava. Só estar perto dela me dava um grande conforto. Só a sua presença era um conforto. Como se ela fosse o Refúgio dos Pecadores.

Meu Natal nunca mais será o mesmo. Sempre haverá uma falta.

sexta-feira, dezembro 21

A vida que o tempo leva


Almoçando sozinha, o jeito é reparar nos outros... Uma menininha de uns 5, 6 anos mostrava para o pai que ela era capaz de sentar-se sozinha naquelas cadeirinhas para crianças bem menores do que ela. E ela mostrou como conseguia subir sozinha e como também sabia descer. À distância, eu não contive o riso. O pai disse: Mas você já é grandinha, né?

E eu fiquei imaginando se ela, mesmo tão pequena, sentiu ali a angústia do tempo que passa. As crianças, de modo geral, querem logo crescer e ficar maiores do que são, mas naquele momento me pareceu que ela sentiu que já perdia alguma coisa por ter crescido. Já não podia mais ocupar uma cadeirinha tão charmosa.

Lembro quando meu filho era bem pequeno, devia ter uns quatro, cinco anos, sentado na cadeirinha no banco de trás do carro, saiu-se com esta:
- Eu não vou mais comer.
- Por que?
- Porque se eu comer eu vou crescer. E eu não quero crescer. Porque quando a gente cresce, fica velho e depois morre.

Fiquei preocupada, caramba, como é que pode desse tamanho já ficar angustiado com isso. Precisava pensar rápido e dar uma resposta que pusesse fim àquela idéia maluca de não comer mais.
- Mas se você não comer, você vai morrer também. De fome. E morrer, não tem jeito. Todos nós vamos. Mas vai demorar...

Não sei se resolvi a angústia dele. Mas fiquei intrigada ao perceber que a idéia da morte pode nos apavorar desde muito cedo. Será que tudo isso é só porque eu vou ficar mais velha em menos de um mês?

No Dia de Finados, o cemitério estava super movimentado, florido e barulhento. Havia uma missa ao ar livre. E o padre falava da morte e da ressurreição. Ele disse que nós vamos ressuscitar de corpo e alma. Me veio uma dúvida: com que idade? Nessa ressurreição, meu corpo terá que idade, a da minha morte? Se for com a idade da morte, é melhor morrer mais jovem, porque você terá uma vida eterna com mais disposição.

terça-feira, dezembro 18

Viagem a Darjeeling

Eu amo cinema. A infinidade de opções para assistir a bons filmes é uma das coisas de que sinto falta de Brasília. Em Londrina, a programação é muito pobre. Dá até dó. Eu evito consultar na internet os filmes em cartaz em Brasília pra não me sentir mal.

Quando eu viajo fico escolhendo a dedo algum filme que sei que nunca passará nas grandes telas londrinenses. Assisti a Viagem a Darjeeling, que conta a história de três irmãos malucos que viajam juntos de trem pela Índia. O mais velho (que quer controlar tudo) organizou a viagem para eles reencontrarem a mãe (Anjélica Houston), que os abandonou e virou monja. Mas, no transcorrer da história, eles vão é tentando reencontrar a si mesmos. É lindo o filme. No início, tem um curta maravilhoso, do encontro de um dos irmãos com a mulher que ele ama. É lindo: o diálogo entre os dois amantes; o silêncio. Tudo é lindo. O filme tem ótimos diálogos. Tem situações engraçadas. E também momentos dolorosos, mas que não deixam o filme pesado. A trilha sonora também é maravilhosa. Eu queria um cd com essa trilha sonora.

(Eu sei que jamais seria crítica de cinema porque meus comentários limitam-se a dize:r É lindo. É maravilhoso...)

Eu gostei tanto do filme que desisti de assistir a mais um, em seguida, como eu e minhas amigas havíamos planejado. É que eu estava tomada de tanta beleza que queria reter por mais tempo a história e a música em minha mente. Eu queria amar ainda mais um pouco o filme. E não trocá-lo por outro assim imediatamente.

quinta-feira, dezembro 13

Brasília, meu amor

O céu ainda era escuro quando eu passava de uma asa à outra. Aproveitei que a cidade ainda dormia e deixei que me escorressem lágrimas pelo rosto. Por que chorava eu?

Seriam as lembranças de quando cheguei aqui e logo me atirei - como uma adolescente - aos braços desta terra árida? Brasília mostrou a mim uma aridez sem refresco. Para o meu coração, não houve época das águas.

Vencer aqui significa armar-se de concreto. É preciso resistência para ver as cores dos canteiros. E há quem resista. Esses tocaram o meu coração. São como flores do cerrado. Suportam a seca e florescem com uma delicadeza que dói. Aprenderam a viver na aridez da terra e do concreto. Tocam o meu coração.

Brasília tem dessas coisas. Me expulsei daqui por causa dessa estranha aridez. E quando retorno para cá, sou assim tão bem acolhida e amada e querida que quase me envergonho por não ser uma flor do cerrado, por não ter a resistência dos fortes.

A redenção ou a perdição?











Não houve nessa terra amor de homem que me derrubasse...


Por que, agora, Brasília?
Por que, Brasília, o cenário de uma promessa de amor?
O virtual aqui se concretiza?
Ou, Brasília, você só quer desbaratinar minha cabeça?
Ou, então, quer mesmo é me pirar?
Que lógica é essa, Brasília, que confunde a minha lógica?
Por que, Brasília, o cenário?
Um amor estranho, com um estranho, precisa de uma terra estranha?
Acredito nesse presente, ou o futuro não vê a hora de me mostrar que, ora, onde já se viu, acreditar num amor em Brasília?
Brasília, esta é a sua redenção ou a minha perdição?

sexta-feira, novembro 30

Meus muitos irmãos

A família (Tarsila do Amaral)

Quando eu nasci, já tinha quatro irmãos; depois, vieram mais dois. Eu sempre digo que a gente só entende os pais depois que tem filhos. Mas até hoje eu não sei como meus pais conseguiram educar sete crianças. Houve época em que consumíamos dez litros de leite por dia; é muita comida, muito barulho, muito limite pra dar pra tanta gente ao mesmo tempo.

Na maior parte das vezes a gente recebia por parte dos meus pais uma atenção meio diluída, meio repartida, dividida. E eu me pergunto se era por isso que eu inventava de ficar sempre doente, porque aí eu acordava à noite, com febre, todo mundo estava dormindo, e minha mãe podia dar um pouco de atenção exclusiva para mim.

Uma vez namorei um cara filho único. E ele reclamava que eu não dava assim tanta atenção para ele. Eu era atenciosa, mas não na quantidade que ele dizia precisar. Depois que o namoro acabou, eu pensei que desde cedo aprendi a repartir atenção. A saber que nunca nada era tudo pra mim.

Eu gosto de ter crescido com muitos irmãos. Gosto de ter morado numa casa cheia de crianças. Se há momentos em que os pais não estão ali monitorando tudo o tempo todo, os próprios irmãos se encarregam de ensinar coisas fundamentais nas relações humanas.

Se um invadisse o espaço do outro ou tentasse ser espertinho, a reação era rápida. A gente aprendia a resolver problemas com mais autonomia, acabava se virando meio sozinha, afinal, não dava pra esperar pai ou mãe.

Na adultice, ter muitos irmãos também é muito bom. De certa forma, você se sente menos só no mundo. Mesmo que um esteja longe do outro, é bom saber que eles existem. E que se você gritar tem alguém pra responder.

terça-feira, novembro 27

Eu uso óculos


Comecei a usar óculos aos 26 anos, quando estava morando em São Paulo. Notei que já não enxergava como antes num ponto de ônibus. Eu só conseguia ler o destino do ônibus quando ele já estava muito próximo. O exame no oftalmo constatou miopia leve. No início, ele recomendou óculos para o cinema. O mais difícil foi acostumar a ver tudo dentro de uma moldura. Com o tempo, seu olhar abstrai e consegue ir além dos aros.

Já tentei usar lentes de contato, mas no teste não consegui colocar sozinha aquelas películas dentro dos olhos. Como eu me conheço razoavelmente bem, desisti; afinal, seria muito provável eu ficar irritadíssima pela manhã tentando conciliar destreza e paciência – o que não me é muito comum. Já imaginei que num rompante de impaciência eu iria engolir as lentes, não sem antes mastigá-las, é claro.

Existem alguns inconvenientes ao usar óculos. Primeiro, lavar as lentes. Às vezes, quando se está muito absorta no trabalho ou na própria vida, demora um pouco para perceber que não é a vida que está ensebada.

Eu também não gosto de usar óculos quando estou toda arrumada para uma festa, por exemplo, e antes de sair de casa tenho que colocar aquele acessório no rosto. Acho que não combina, mas prefiro não arriscar. Seria desastroso deixar de cumprimentar algum amigo querido ou então paquerar um homem errado por falta de visão.

Outro dia eu estava, sem óculos, vendo um programa na tevê em que aparecia Tom Jobim falando de sua parceria com Vinicius de Moraes. Meu filho disse que nunca tinha visto Tom Jobim – e constatou que o músico era mais velho do que ele pensava. Aí eu tive que contar, assim, a seco, que Tom Jobim já não estava mais entre os vivos. Ele morreu no mesmo ano em que meu filho nasceu. Eu me lembro bem daquele dia. Num gesto amoroso, meu filho perguntou: “Mãe, quer que eu pegue seus óculos?” E me trouxe lá minhas lentes para que eu pudesse remexer minhas lembranças com mais nitidez.

domingo, outubro 21

Tropa de Elite

Caramba! Tropa de Elite é de arrebentar. Adorei o filme. Do começo ao fim. Depois do cinema, demorou um tempão pra baixar a adrenalina. O filme mostra o que acontece hoje no combate à criminalidade no Rio. É uma guerra. E cada um defende o seu. Não tem como ver o filme e não ficar pensando se existe alguma solução para a guerra entre traficantes e Polícia. Em violência, os dois lados são parecidos. O Wagner Moura arrebenta como Capitão Nascimento. Ele humaniza o policial. E isso é que é maluco. Você vê este outro lado. O dos caras que morrem de medo de subir o morro, que têm família, que ganham uma miséria. Mostra a bandidagem dentro da Polícia. E também que entre eles há quem seja honesto. Acredito que a única solução para acabar com essa guerra é liberar o uso de drogas. Usa quem quer. Afinal, ninguém deixa de usar drogas hoje porque é crime. Se não, não haveria o tráfico. Quem não usa não vai começar a usar só porque liberaram. Ou mesmo que haja um aumento no consumo, não significa que todos os usuários vão ficar dependentes. Isso já acontece com o álcool. Existem os dependentes – e é um caso de saúde pública. Mas nem todo mundo que bebe é dependente. Inclusive é uma minoria. O governo deveria liberar e investir em política de redução de danos. Lendo os comentários sobre o filme, eu desconfiava que era bom. Mas é muito bom.

sexta-feira, outubro 19

E o Flamengo, hein?


O Flamengo ganhou ontem por 2 a 1 não sei de quem. Foi o que ouvi no corredor assim que cheguei ao meu trabalho hoje de manhã. Eram dois colegas que tinham acabado de se encontrar. Um foi em direção ao outro e disse: E aí? O outro disse: 2 a 1 para o Flamengo. Ou seja, eles não falaram nem bom dia um para o outro. Só disseram o essencial. Eu nem tive coragem de falar bom dia para não desviar a atenção deles de um assunto tão imprescindível.

Fui pra minha sala pensando que realmente não tem jeito. Homem é mesmo movido a futebol. Eu nem sabia que o Flamengo tinha jogado e, se soubesse, já nem me lembraria do assunto. E a ninguém, a ninguém mesmo, passaria a idéia de me perguntar sobre esse tema.

Depois, almoçando na casa da minha irmã, meu cunhado dirige-se para o meu filho e pergunta: O Flamengo ganhou ontem, né? E meu filho: É, 2 a 1. E olhe que ontem nem era quarta-feira... Eu sei lá como este menino se informa sobre futebol na minha frente sem que eu perceba. Qual a importância de se saber sobre o resultado do jogo? Meu filho é palmeirense. Meu cunhado, corintiano. É bem provável que os dois colegas do trabalho também não sejam flamenguistas, mas desconfio de que todos os homens desse Brasil sabem que o Flamengo ganhou ontem de 2 a 1. Só por curiosidade, acabei de olhar rapidamente um dos inúmeros sites de notícias que ficam abertos no meu computador e descobri: foi do Vasco que o Flamengo ganhou. Ah, então tá bom... Agora já posso ficar tranqüila...

Isso me faz lembrar de outra história. Em janeiro de 2006, estávamos em oito mulheres e um homem num restaurante em Londrina. Estávamos jantando e tratando da organização de um evento. No restaurante havia uma tevê ligada em algum jogo de futebol. Não sei se era quarta-feira... Lá pelas tantas, meu amigo começou a rir e explicou: saiu um gol no jogo e ele virou-se imediatamente para a tevê, gesto repetido por todos os homens presentes no restaurante. Nenhuma de nós percebeu o que estava acontecendo. Nós só notamos que estava passando um jogo depois que ele disse isso. E depois dizem que nós somos mais atentas e detalhistas do que eles. Até acredito que sejamos mesmo, desde que o assunto não seja futebol.

Imagem do blog portuguës http://aveiroconnections.blogs.ca.ua.pt/index.php?paged=3

domingo, outubro 14

A andarilha

Eu estava num extremo da Benjamin Constant e precisava ir ao outro extremo. Sem carro. A moça ofereceu carona. Eu só precisava esperar um pouco. Mas minha angústia era grande. Caminhar me faria bem. E eu fui subindo a rua. 18 horas. Não é o melhor horário pra seguir pela Benjamin. A rua dos ônibus. Não havia ar puro pra respirar.

Mas caminhar era tudo o que eu precisava para tentar ordenar as idéias. E entendi um pouco os andarilhos. Aqueles homens que não param nunca. Que saem pela estrada caminhando, e nunca mais param.

Já li um post da Cris em que ela fala que chorar no chuveiro é ótimo. Para ela, a água tem poder curativo. Ela diz que, além do banho, lavar louças também ajuda. É como se as angústias fossem embora pelo ralo com a sujeira. No blog da Eliana, ela fala algo parecido: o banho serve para lavar a alma.

Tem gente que prefere afogar as mágoas no álcool. Eu nunca fui muito forte pra bebida. Já chorei muito no chuveiro. Mas, para mim, andar tem efeito terapêutico. Se eu tivesse um problema insolúvel, acho que nunca viraria alcólatra nem teria uma conta impagável na Sanepar: eu viraria andarilha.

Ia sair pelo mundo andando. Eu só ainda não virei andarilha porque geralmente quando saio a pé eu tenho um endereço certo pra chegar. Então, sem pensar muito, eu acabo chegando ao destino e paro. Mas se um dia eu sumir, dificilmente serei encontrada na mesa de um bar. Ou afogada na banheira. Vou é sair por aí, caminhando, sem destino.

domingo, setembro 30

A cegueira

O documentário Janela da Alma trata da cegueira e escancara aquilo que todos pensam: entre todos os sentidos, a visão é o mais valorizado pelo homem. Isso se potencializa no mundo midiático em que a imagem é a senhora absoluta. Perder a visão seria pior do que ficar surdo, ou deixar de sentir cheiros ou sabores.

Fiz matéria, uma vez, sobre um curso de fotografia para cegos. Lembro que fiquei surpresa com a pauta. Como era possível a um cego fotografar? A fotógrafa londrinense Fernanda Magalhães era quem dava o curso. E ela me contou do fotógrafo esloveno Evgen Bavcar que perdeu a visão na infância. Criado na França e com incursão em vários países, ele conta que as suas referências partem sempre do que ele viu na Eslovênia. A imagem que ele tem da luz é da luz da Eslovênia. E por isso diz: “Tenho só uma pequena lâmpada eslovena para iluminar o mundo”.

O poeta cego
No ensaio A Cegueira, o grande escritor argentino Jorge Luis Borges fala sobre sua cegueira. E fala disso com tanta delicadeza que enternece... Ele conceitua a sua cegueira como “modesta” por ser total em um olho e parcial no outro. Ou seja, ele fala da própria cegueira com humildade.

Segundo Borges, ao contrário do pensamento geral, a cegueira – pelo menos a dele – não é a escuridão. O preto inclusive é uma das cores de que mais tem saudades. Do preto e do vermelho. “O mundo do cego não é a noite que as pessoas supõem. (...)” A falta dessa escuridão é a experiência dele, do pai e da avó que também morreram cegos. “Cegos sorridentes e corajosos”. Ele esperava morrer corajoso como eles. “Herdam-se muitas coisas (a cegueira, por exemplo), mas não se herda a coragem (...)” Mais adiante, no ensaio, fala: “Não permiti que a cegueira me acovardasse”.

Ele explica melhor a sua “cegueira modesta”, ao dizer que ainda enxergava algumas cores:
“O cego vive em um mundo bastante incômodo, um mundo indefinido, do qual emerge alguma cor: para mim, ainda o amarelo, ainda o azul (...), ainda o verde (...). O branco desapareceu ou confunde-se com o cinza. (...)” O fato de enxergar essas cores, para ele, significa que ele não tem a “cegueira perfeita”.

A maneira como Borges vai falando da sua cegueira me emociona a cada leitura de seu ensaio. Ele diz que a história dele não é especialmente dramática porque não ocorreu de maneira abrupta. “É dramático o caso daqueles que perdem a visão bruscamente: trata-se de uma fulminação, de um elipse, mas, no meu caso, esse lento crepúsculo começou quando comecei a enxergar”. Ele foi perdendo a visão ao longo de mais de 50 anos. Começou em 1899 e ele notou que não conseguia mais ler nem escrever em 1955.

Essa data coincide com um momento especial em sua vida. Foi quando ele assume a direção da Biblioteca Nacional, em Buenos Aires, o que lhe deu uma de suas maiores alegrias. Para ele, Deus o tratou com “magnífica ironia” porque lhe deu a um só tempo os livros e a noite, a incapacidade de lê-los.

Borges conta que ele foi o terceiro diretor cego da Biblioteca Nacional. Em referência a um deles, Paul Groussac, que foi diretor quando Borges era pequeno, diz: “(...) os dois éramos homens de letras e percorríamos a Biblioteca de livros vedados. Quase poderíamos dizer, para nossos olhos escuros, de livros em branco, de livros sem letras”.

Quando percebe que para saber o nome dos livros deveria perguntar a seus amigos, lembra-se de uma frase de Rudolf Steiner: quando algo termina, devemos pensar que algo começa. “O conselho é saudável, mas de difícil execução, já que sabemos o que perdemos, não o que ganharemos. Temos uma imagem muito precisa, uma imagem às vezes dilacerante daquilo que perdemos, mas ignoramos o que pode substituí-lo, ou sucedê-lo”.

Caramba! Eu fico aqui pensando que homem foi Borges! Que alma grandiosa! “Tomei uma decisão. Disse a mim mesmo: já que perdi o querido mundo das aparências, devo criar outra coisa, devo criar o futuro, o sucessor do mundo visível que, de fato, perdi”.

E depois enumera o que foi que ganhou com a cegueira. Aprendeu oralmente o anglo-saxão, conhecimentos de islandês, “o prazer de tantas linhas, tantos versos, de tantos poemas (...)”. São esses os dons que ele diz dever à sombra.

Para Borges, a cegueira não foi uma desgraça total. “Deve ser vista como um modo de vida: é um dos estilos de vida dos homens”. E completa: “Para a tarefa do artista, a cegueira não é de todo uma desgraça: pode ser um instrumento”.

Na conclusão do ensaio, cita um verso de Goethe: ‘tudo que é próximo se afasta’. “Goethe o escreveu referindo-se ao crepúsculo da tarde. (...) Ao entardecer, as coisas mais próximas já se afastam de nossos olhos, assim como o mundo visível se afastou de meus olhos definitivamente.
Goethe pode ter-se referido não apenas ao crepúsculo, mas à vida. Todas as coisas vão nos deixando. A velhice deve ser a suprema solidão, salvo que a suprema solidão é a morte. Também ‘tudo que é próximo se afasta’ refere-se ao lento processo da cegueira (...) que não é uma total desventura. Que deve ser mais um instrumento entre tantos, tão estranhos, que o destino ou o acaso nos deparam”.

A imagem está no blog:
http://charlesblake.wordpress.com/2007/06/22/biblioteca-personal-jorge-luis-borges/

quinta-feira, setembro 27

Datas inesquecíveis

Jacqueline Fahey/The Birthday Party (1974)

Ao contrário das pessoas que nunca se lembram de datas de aniversário, eu tenho uma incrível – e às vezes irritante – facilidade de memorizar aniversários.

Isso acontece em dois casos: se eu tiver alguma afeição pela pessoa ou pelo fato de eu fazer associações com aniversários já memorizados.

E então eu nunca mais esqueço. Pode ser até uma pessoa de quem não gosto. Se ela fizer aniversário no mesmo dia em que minha mãe, por exemplo, já é suficiente para que eu nunca mais me esqueça.

Eu também sou capaz de me lembrar de datas de acontecimentos noticiosos se eles coincidirem com aniversários. Eu sei que o acidente da Gol vai completar um ano em 29 de setembro porque é o dia do aniversário da minha amiga Karla. E sei que o acidente da TAM ocorreu dia 17 de julho porque é aniversário da irmã de um ex-namorado. Pronto!

Sou capaz de desfiar um rol de aniversários de ex-namorados e ainda de mãe, pai e irmãos de ex-namorados. Isso me dá uma certa raiva! Porque nem sempre eu quero lembrar, mas gruda em minha mente e não consigo me desprogramar.

Com o tempo, os meus amigos ficam desconfiados com essa minha lembrança insistente dos aniversários de todo mundo da roda... E já não valorizam mais quando eu ligo ou escrevo para dar os parabéns.

O Rogério – que faz aniversário dia 1º de dezembro, junto com a Priscila, da mesma turma de faculdade – uma vez me respondeu que nem se sentia prestigiado porque eu sabia o aniversário de todo mundo...

E o Aurélio – que faz aniversário dia 14 de junho, junto com a Marta, que também trabalhou na Folha de Londrina – fala que todo ano pelo menos três pessoas se lembram do aniversário dele: a mãe, a mulher e... EU. O pior foi que este ano eu deixei passar batido...

Eu tenho consciência de que nem sempre eu posso cumprimentar a pessoa pelo aniversário, mesmo que a encontre no dia, porque fica muito chato. São aqueles com quem tenho relações formais e por algum motivo eu fiquei sabendo do aniversário e armazenei a informação. Como eu não tenho muita intimidade, ficaria bem estranho eu dizer: Ah, hoje é seu aniversário, né, parabéns!
A pessoa poderia pensar: Nossa, que estranho, nem minha irmã se lembrou...

E eu não ligo mais se não se lembrarem do meu aniversário – que é junto com o do Renato Aragão. Antes eu ficava chateada. Agora, se eu quiser mesmo ser lembrada, eu fico avisando alguns dias antes ou convido logo pra comemorar.

terça-feira, setembro 18

Mama África

Outro dia li Feras de lugar nenhum, escrito pelo nigeriano Uzodinma Iweal, de 23 anos, que conta a vida de um menino que sofreu os horrores de uma guerra civil num país africano. O garoto perde os pais e a irmã no início da guerra, perde a infância, a escola de que ele tanto gostava e entra numa batalha em que tem que matar para não morrer.

Comprei o livro depois de ler matéria sobre o escritor, que veio ao Brasil participar daquela Festa Literária de Parati (um dos meus sonhos de consumo...). A princípio, pensei que fosse um retrato do que ele havia vivido, uma espécie de reportagem. Depois é que me toquei que era um relato ficcional, obviamente marcado pelo que ele passou.

O livro não se refere a nenhum país específico, mas os fatos podem ter se desenrolado em qualquer país da África, onde o povo tem sofrido o diabo ao longo de sua história. O autor só sobrevive porque foi resgatado por instituições internacionais que o incentivaram a escrever o livro.

Me parece que escrever, para ele, foi um processo de catarse para elaborar melhor os sofrimentos por que passou. Assim que chegou o livro, indiquei para o Nícolas, que não demonstrou nenhum interesse. Então eu li logo. E fiquei pensando que a história é tão pesada que eu gostaria de poupá-lo...

Guiné-Bissau
No mesmo fim-de-semana em que li o livro, li uma reportagem no Estadão de Jonathan Coe, um romancista americano que visita Guiné-Bissau, considerado o quinto país mais pobre do mundo e que está tomado por minas terrestres, granadas e outros armamentos.

Coe faz a visita como curador de uma ONG que trabalha com a retirada das minas em países devastados por guerras. Ele classifica como alarmante o fato de que, enquanto uma mina custa de US$ 3 a US$ 30 para ser fabricada, é preciso desembolsar US$ 1 mil para sua remoção. Sob um sol escaldante, trabalham pessoas para a localização e retirada das minas. Logo ao lado, crianças jogam bola sem imaginar os riscos que correm.

Ruanda
Logo me vem à mente uma avalanche de histórias sobre a África. O filme Hotel Ruanda sobre o genocídio ocorrido no país nos anos 90. E então me lembro do livro Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias, escrito pelo jornalista inglês Philip Gourevitch, que tenta mostrar que o massacre ocorrido não foi apenas uma guerra entre etnias mas também com contornos políticos. E que simplesmente o mundo fechou os olhos enquanto os ruandenses se destruíram em cem dias de conflitos (em torno de um milhão de mortos).

Na verdade, eu tinha o livro, nunca li, emprestei não-sei-pra-quem e nunca mais recuperei. Quando foi lançado o filme me lembrei do livro, mas já não estava mais comigo.

Ébano
E tem também o livro Ébano, do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski – que morreu no início deste ano e por quem tenho profunda admiração. Faz tempo que li o livro, mas logo no início Kapuscinski fala do calor escaldante que assombra (ou seria “ensolara”?) um europeu assim que pisa em um aeroporto africano. Ele faz a seguinte comparação: nos tempos em que os homens se deslocavam pelo mundo a pé ou com meios mais lentos, havia uma adaptação gradual às alterações climáticas. Hoje, num intervalo de algumas horas, o homem consegue voar entre um país gelado e uma terra que queima os miolos.

Ele escreveu o livro a partir de sua experiência como correspondente na Etiópia. No livro, o jornalista mostra de que forma os colonizadores contribuíram para o acirramento de conflitos entre etnias nos vários países da África, por terem feito uma divisão meramente territorial – para se apossarem das colônias – sem levar em conta as diferenças culturais entre os africanos.

(E tem mais um livro que emprestei não-sei-pra-quem, também do Kapuscinski – Imperium – maravilhoso, que fala do império soviético. Já tentei comprar novamente o livro, editado pela Companhia das Letras, mas está esgotado há anos... Eu detesto essa minha amnésia...)

Órfãos
Em 2005, entrevistei um jovem africano – não me lembro de qual país – que me contou que mais de 50% das crianças e jovens de seu país eram órfãos por causa da Aids. Pesquisas indicam que a média de expectativa de vida em 11 países africanos cairá abaixo dos 40 anos até 2010 por conta da Aids. Em alguns países, a incidência de Aids na população é de 30%. Ou seja, uma realidade de alta desolação.

Contos africanos
No ano de 2000, eu e o Nícolas assistimos em São Paulo a um desenho animado francês chamado Kiriku e a feiticeira, baseado num conto africano. É lindo, com uma trilha sonora também linda. Depois eu comprei o DVD. Eu até já emprestei, mas este me devolveram... Conta a história de um menino que liberta a sua tribo do domínio de uma feiticeira. O final é surpreendente porque a conquista dessa liberdade ocorre ao mesmo tempo em que ele também liberta a feiticeira de seu feitiço. Adorei.

Mas talvez o meu primeiro contato com as histórias da África tenha se dado quando eu era pequena. Em casa tinha – acredito que ainda deve ter em algum armário por lá – uma coleção de livros com contos africanas. São histórias infantis, originais, bem diferentes das nossas por aqui. E eu adorava também as ilustrações. Se não me engano a coleção chama-se Maravilhas dos Contos Africanos.

Tem a história O Menino de Ouro e O Menino de Prata. Um rei africano – ou alguém muito rico, não lembro – ia escolher uma mulher para se casar. Como havia muitas pretendentes, ele entrevistou cada uma perguntando o que ela lhe daria caso fosse sua esposa. E cada uma prometeu alguma coisa bem legal. Mas teve uma que lhe disse que, se casasse com ele, lhe daria um filho de ouro e um filho de prata. Ela foi a escolhida.

As outras, obviamente, ficaram com muita inveja. Já casada, ela tinha como empregada uma dessas invejosas. E engravidou logo. Numa das viagens do marido, os meninos nasceram. Era um de ouro e um de prata – lindos, eu me lembro até hoje da ilustração. Quando a mãe estava dormindo, a empregada pegou os meninos e os doou a um camponês. Em seu lugar, colocou dois sapos. Também me lembro daqueles sapos feiosos dentro do berço.

Imaginem a raiva do rei, que se sentiu enganado pela mulher e a expulsou de casa. Os meninos receberam uma boa educação e faziam apresentações artísticas – de teatro ou dança, não lembro – em que contavam sua história. Um dia, o rei estava passeando pela floresta, encontrou os meninos e os reconheceu como filhos. Foi atrás da mulher, deu uma recompensa ao bom homem e todos foram felizes para sempre – menos a empregada, né?

Tantas histórias de um povo que tem uma cultura tão rica, e que sofre as conseqüências de ter ficado à mercê dos europeus tão "superiores". Gosto de pensar que nós, brasileiros, temos muito dos africanos...

(A imagem é do blog http://anomalias.weblog.com.pt/arquivo/047770.html)

domingo, setembro 16

E a novela, hein?

Eu não tenho nenhum palpite sobre quem matou a Taís, na novela Paraíso Tropical. Mas eu queria que o Antenor (Tony Ramos) tivesse um final feliz, ao lado da Lúcia (Glória Pires). De modo geral eu não tenho muita paciência em seguir novelas. Há muita enrolação. Então, o que acontece é que em determinado momento, geralmente depois da metade da história, algum capítulo me prende e eu começo a assitir. E aí vou até o fim.

Ficam umas lacunas que eu vou preenchendo aos poucos. Eu não peguei a fase bad boy do Tony Ramos. Quando vi, ele já estava casado com a Glória Pires. O que também ajuda é ler as sinopses publicadas nos jornais. O problema é que eu demoro a aprender os nomes de todos os personagens, então, nem sempre sei de quem estão falando. As sinopses deveriam ter também os nomes dos atores.

Pra complicar, Paraíso Tropical tem alguns personagens com nomes dos atores. Existe a Camilla personagem - e a Camila Pitanga; o Gustavo personagem - e o Gustavo ator (que faz o papel de Mateus); o Daniel personagem - e o Daniel Dantas (que faz o papel do cozinheiro). Deve ter mais, mas eu não sei. Fico me perguntando se o autor fez de propósito só pra confundir quem começa a ver novela no final...

Então, eu também não peguei a fase em que a Beth Goulart exercitava suas maldades, e agora eu fico torcendo pra ela voltar com o Daniel Dantas. Eu sei que ela está pagando pelos pecados que cometeu na época em que eu ainda não acompanhava. Mas como eu não vi, eu torço pra ela se dar bem, porque parece que ela já se arrependeu, né?

No feriado de 7 de setembro, estávamos nós lá em Piraju e descobri que meu sobrinho de 19 anos não gosta da revista Veja. Ficamos nós a falar mal da Veja (isso é bem fácil, né?). No dia seguinte, com a casa cheia, eu queria ver novela em silêncio. Algo meio impossível. E aí meu sobrinho disse que não acreditava que eu seguia novela. E disse que estava decepcionado comigo.

Para ele, não há diferença entre ler Veja e ver novela. Eu argumentei que, pelo menos, a novela é declaradamente ficcional, o que não é o caso da Veja, que na minha opinião faz o pior tipo de jornalismo no País. Aí ele disse que o conteúdo é o mesmo. Tanto a novela quanto a Veja passam a mesma mensagem para os seus públicos.

Concordo que a TV Globo e a Editora Abril querem deixar as coisas exatamente como estão no País; e ambas têm grande parte da responsabilidade de sermos um povo que vai bem mal das pernas em termos de educação. Mas em termos de produto, acho que não dá pra comparar uma novela, que é um gênero literário, e uma revista jornalística, que em tese deveria ter compromisso com a apuração rigorosa dos fatos e que não deveria publicar opinião como se fosse mera informação. Qualquer veículo tem todo o direito de emitir a opinião que quiser sobre qualquer assunto, desde que isso esteja devidamente esclarecido para o leitor.

O pior vai ser quando meu sobrinho descobrir que tenho um cd de Belíssima, comprado numa liquidação por causa de duas ou três músicas...

quarta-feira, setembro 5

A maior dor do mundo

A primeira manhã de setembro me trouxe a notícia da maior dor do mundo: a da mãe que perde um filho. Internamente, queria que fosse um engano, que não se tratasse do rapaz de 19 anos que eu conhecia desde pequeno, que não fosse o filho de um casal amigo e próximo, que não fosse um menino muito querido, sempre atencioso e iluminado por um sorriso.

Que dor é essa que dilacera a alma do pai, da mãe, do irmão, dos amigos?
Que choro coletivo foi aquele diante da perda?
Que sentimento de impotência era aquele que abraçou todos nós?
Que vontade era aquela de que o tempo voltasse e nos permitisse impedir qualquer mal a esse anjo?
Que pesadelo é esse do qual não acordamos?
Que realidade é essa tão difícil de ser compreendida?
Que jornalistas somos nós que não tínhamos conhecimento prévio dessa pauta?

Hoje somos todos diferentes do que éramos no último dia de agosto. Já não é do mesmo modo que beijamos nossos filhos. A vontade é de ficarmos cada vez mais unidos porque sozinhos é impossível superar dor tão profunda.

quinta-feira, agosto 30

Esses seres informáticos, os extraterrestres

Tudo bem que eu não entendo nada de informática, mas os caras da informática também não entendem nada do que você fala se fugir à lógica deles! Ai, não tenho muita paciência. De modo geral, quem trabalha nessa área fala pouco e fala uma linguagem esquisita, com um código estranho, que só eles entendem.

Quando você vai reclamar de algum problema, eles vêm e mostram que o problema na verdade é você, que não plugou direito um trequinho ou que digitou algo errado. Ou então eles fazem uma pergunta que você não sabe do que se trata. Isso me faz sentir a pior idiota. Eles são de outro mundo! (Nossa, quanta revolta!)

Tá, tem o lado bom. Quando eles resolvem o problema, aí eu tenho que reconhecer que eles são bons no que fazem. E fico agradecida porque posso voltar a usar o computador.

Pensando melhor, eu acho que os caras da informática são extraterrestres. Eles vieram à Terra para dominar o nosso mundo, e é por isso que eles têm acesso a tudo o que gente lê e escreve na internet. Logo eles vão chegar à nossa mente. Eles estão disfarçados de humanos, mas ainda não dominam toda a linguagem dos humanos, por isso a comunicação com eles ainda é difícil.

E eu nem ligo que eles sabem tudo o que eu escrevo, porque como geralmente só diz respeito a mim mesma, e não estou tramando nada contra ninguém, essas informações não têm muita utilidade para eles. Mesmo agora que eu descobri a verdade, eles vão continuar me ignorando porque eu sou um ser insignificante, dados os meus parcos conhecimentos informáticos, ou seja, não represento nenhum perigo.

segunda-feira, agosto 27

Caos interior

Decidi que ia assistir a um filme em DVD no meio da tarde de domingo. Meu filho me olhou ansioso. Estava louco pra ver o jogo do Palmeiras na TV. E como eu estava brava, e cheia de razão, ele deve ter imaginado que o risco era grande de perder o futebol. Mas mesmo brava, eu posso ser generosa. Resolvi fazer uma arrumação de papéis que eu estava adiando havia tempo.

Separei, rasguei, guardei papéis. Arranjei espaço para livros na prateleira. Coloquei encartes de CD em seus lugares. Encaixotei recibos que me vão ser úteis para o Imposto de Renda. Mas por mais que eu organizasse e arrumasse, a sensação era de aquilo não teria fim. Trabalho de Sísifo.

E quanto mais eu arrumava, mais me angustiava. Isso é porque na verdade eu queria arrumar a bagunça interna. Essa é mais difícil. Por mais que eu me esforçasse em organizar meus pensamentos e sentimentos, eles não encontraram os seus lugares devidos. Continuam embaralhados. Há um emaranhado de desejos, fantasias e realidade.

Não adianta querer colocar o desejo dentro da realidade porque ele não encaixa. E fica lá no meio das idéias, que até querem se ordenar, mas se deparam com aquele entulho. Ele insiste em se impor, mesmo sabendo que no momento não há vagas, tenta se adequar, se moldar, mas no fundo sabe que é um desajustado.

sexta-feira, agosto 17

A febre



Quando eu era criança eu sempre ficava intrigada com a capacidade das mães de detectarem febre e de fazer previsões meteorológicas, avisando sempre quando vai chover ou fazer frio.

Agora, que eu sou mãe, eu sei quando meu filho está com febre apenas colocando a mão sobre sua testa. Só não sei se isso é porque eu sou mãe ou se isso é mesmo fácil para qualquer um. Mas, a gente sempre precisa do termômetro pra medir a febre.

Nos primeiros meses de vida do meu filho eu não sabia nem usar o termômetro. Eu nunca tinha manuseado um. Acho que é porque minha mãe é quem sempre colocava em mim. Então eu pedi ajuda à minha irmã, que é enfermeira. Ela me explicou que era só colocar a parte de metal nas axilas. Eu argumentei que o meu não tinha essa parte metálica. Ela disse que era impossível, que todo termômetro tem.

Quando fui conferir, eu notei que na verdade eu tinha usado o aparelho com a embalagem plástica e por isso não dava para ver... Isso é sério! Aconteceu de fato! Às vezes nem sei como meu filho sobreviveu à mãe que ele tem.

Mas agora a febre que me queima é outra. Ela me persegue dia e noite. Mas não é sintoma de nenhuma infecção. É apenas para me lembrar que estou viva. Que quem sabe acabou o período de resguardo. Que alguns sentimentos devem fluir, que não adianta querer mudar de assunto na sua conversa interior, nem disfarçar.

As febres existem para alertar que há vida pulsando. E não adianta mascarar. Não existe antitérmico que dê jeito. Às vezes a danada vem acompanhada de mãos geladas e ainda por cima taquicardia. E nem adianta rezar. Nem adianta torcer pro tempo passar logo porque ele vai demorar o tempo dele mesmo. E eu ainda não sei se essa febre vem me anunciar alegria ou dor.

quarta-feira, agosto 15

Universo blogueiro



O meu humirde blog foi indicado ao Prêmio Blog Cinco Estrelas, criado pelo blog Nada Pra Mim. Para conhecer as regras acesse http://npramim.blogspot.com/2007/07/blogday-o-dia-31-de-agosto-foi.html

A indicação do meu blog foi da Célia Musilli, jornalista que escreve poesias. O blog dela é pura poesia.

Eu tenho que indicar outros cinco, que são os seguintes:

O da Célia, de quem já falei acima: http://sensivelldesafio.zip.net/

Da Karen Debertolis, que também é jornalista e escreve poesias:
http://www.karendebertolis.blogspot.com/

Da Cris, minha grande amiga de quem falei no post anterior (e que me ensinou finalmente a colocar link no meu blog. Essa menina é demais...)
http://blogtalk-cristiana.blogspot.com/

Do Mário Bortoloto, de quem eu sou fã. Eu adoro o blog dele, leio todos os dias:
http://atirenodramaturgo.zip.net/

Da Denise, que não conheço pessoalmente, mas eu gosto da maneira como ela conta as coisas da vida dela (que é bem intensa) e ela é uma mulher militante de boas causas:
http://www.sindromedeestocolmo.com/

Eu adoro ler blogs e teria outros tantos pra indicar...

domingo, agosto 12

Por que Heloísa?


Semana passada fui pra São Paulo no lançamento do livro Por que Heloísa?, escrito por minha amiga-irmã Cristiana Soares e editado pela Companhia das Letrinhas. Cris conta a história de Heloísa, que tem paralisia cerebral, mostrando como foi o seu nascimento e as dificuldades que a menina e seus pais enfrentam no cotidiano por causa da deficiência.

A história é baseada em Luísa, filha da Cris, que tem hoje 14 anos. Tenho orgulho de dizer que fui uma das primeiras a ler a história, assim que ela escreveu. Isso foi há mais de um ano. A maneira como Cristiana colocou a história no papel, com um estilo leve e bem-humorado, me emocionou. E tenho certeza que tem emocionado e provocado reflexão em seus leitores.

Eu conheço a Cris, que é carioca e publicitária, há cerca de 14 anos - foi na época em que a Luísa nasceu. Mas foi depois que o Nícolas e a Lorena (a outra filha dela) nasceram, com um mês de diferença, que nos aproximamos mais. E nos tornamos grandes amigas.

Ela, então, deixou Londrina e foi para Curitiba, Florianópolis e São Paulo - onde está há três anos. Eu sempre a visitei. E gastávamos horas e horas em telefonemas. E sempre rimos muito juntas. Ela é uma das pessoas mais engraçadas que eu conheço. E fiquei bem feliz quando ela disse que eu sou tão engraçada quanto ela. O Nícolas acha isso um exagero. Na opinião dele, ela é muito engraçada; e eu apenas me acho engraçada...

Por isso, quando ela me deu a notícia de que o livro finalmente seria lançado, eu não podia deixar de estar presente. E foi muito legal. Ela disse que se sentia a própria noiva. No blog http://blogtalk-cristiana.blogspot.com/, ela conta isso em detalhes.

E ainda pude reencontrar velhos amigos: a Telma e o Rodrigo Manzano. Foi um super final de semana. Pena que só durou dois dias...

Agora, a Cris está articulando o lançamento aqui em Londrina. Será outra vez muito legal.



sábado, julho 28

Perto e longe

Duas viagens rápidas a seguir:
uma para a terra do afeto e da alegria (Piraju)
e uma para a terra do gelo (Curitiba).

Piraju (pertinho): aniversário do meu irmão, festa familiar, presença do meu pai, casa cheia, barulho de crianças, muitas panelas no fogão, muita louça pra lavar, casa cheia, o quarto da minha mãe, colchões espalhados pela sala na hora de dormir, pilhas de cobertores, travesseiros e lençóis, carros enfileirados na garagem, casa cheia, reencontro de amigos, badaladas de sinos da igreja matriz, saudades da minha mãe.

Curitiba (lonjão): frio, frio e frio; viagem de ônibus; trabalho; cansaço; frio, frio e muito frio.

Ainda bem que existe Piraju antes de Curitiba.

Cadê esse aquecimento global que me deixa aqui tiritando de frio?

quinta-feira, julho 19

Cores da alma

(Imagem) Copyright: Pinto da Silva

Por que será que quando o dia está cinzento e chuvoso, a minha alma também se acinzenta e fica chorosa?

Eu estou desconfiada que isso não é verdade. Que é só uma coincidência. Como hoje eu gostaria de ficar quieta em casa, sob cobertas, sem falar com ninguém, nem ver TV, nem usar computador, eu fico querendo que a explicação seja o tempo. Mas se hoje estivesse ensolarado e o céu azul, quem sabe minha alma ia estar feliz e colorida, ou ainda estaria se comportando como se fizesse um dia de chuva?

Para ter essa resposta, eu teria que anotar num caderno todos os dias as condições climáticas e as condições de minha alma. Mas quando a gente está feliz a gente não está interessada em atribuir motivos à felicidade; e quando a gente está meio aquietada a gente não está com o mínimo de vontade de preencher um caderno com dados técnicos sobre o clima de fora e o de dentro.

Até porque quando a gente fosse ler o resultado geral das anotações, não ia se lembrar direito do estado de espírito. Ia apenas ler: vontade de fazer nada e de ficar quieta. Mas não ia sentir a mesma coisa. E ia pensar por que será que eu estava assim? Ia dar de ombros e achar ótimo que já tenham passado aqueles momentos, sabendo que outros virão. E pensar que se não existe estado perene de felicidade, também não existe estado perene de infelicidade.

A gente insiste em encontrar motivo: ou é falta de grana, ou é falta de alguém, ou é falta de sentido da vida. Mas essas faltas também estão presentes quando está tudo bem.

Portanto, o jeito é esperar a hora de chegar em casa, se enfiar debaixo das cobertas e falar o mínimo necessário até o sol aparecer – de verdade ou apenas na alma.

segunda-feira, julho 9

Fora de lugar

Às vezes eu me sinto assim: fora de lugar. É como se eu não me encaixasse dentro da normalidade. Justo eu que me acho tão normalzinha. Mas, às vezes, quando eu me posiciono diante de algumas situações, surge uma avalanche de críticas. Como se eu pensasse da forma mais inadequada do mundo. Aí eu me sinto a própria inadequada. Talvez seja essa a intenção. Quando alguém pensa diferente, deixe bem claro que ele pensa errado. Logo vai se sentir inadequado. E, quem sabe, cale sua boca para sempre.

Não estou me referindo a críticas e questionamentos que te fazem refletir melhor sobre o assunto, o que acho bastante saudável. Estou falando de críticas sem fundamento e de julgamentos prévios.

Estou lendo um livro sobre a China, e a autora – uma portuguesa – afirma que os chineses nunca emitem opinião sobre nada por causa dos tempos de pensamento único. É melhor se calar do que levar bordoada. Na época de Mao Tse Tung, a população era estimulada a criticar a Revolução. No entanto, quem abria a boca acabava perdendo a língua, literalmente.

E não é apenas verbalmente que eu me posiciono. Minha atitude também costuma contrariar muitas vezes a lógica da normalidade. Eu até prevejo que vou sofrer conseqüências. Mas agir de acordo com minhas convicções é mais forte do que eu. E aí eu agüento as conseqüências.

Por outro lado, acho que sou mais tolerante com quem pensa ou age diferente de mim. Será? Posso até ser crítica, mas raramente levo pro lado pessoal, desqualificando a pessoa por seu modo de pensar.

Ou seja, eu sou mesmo ÓTIMA. (Nada como ter um blog e fazer auto-elogios pra melhorar o meu humor).

domingo, julho 8

Trabalho Infantil 2

O tema Trabalho Infantil é bastante polêmico. Culturalmente, a sociedade brasileira acredita que trabalhar desde cedo acaba contribuindo para que a pessoa seja mais responsável e tudo o mais. Abaixo transcrevo o texto do blog do Aguinaldo, já com as minhas respostas às questões apresentadas por ele (na verdade, copiei esta idéia do blog dele mesmo...)

Aguinaldo Pavão:
A Folha de Londrina publica hoje um belo artigo da Carina Paccola contra o trabalho infantil. Primeiro gostaria de dizer que me agrada muito ver a Carina polemizando contra a ilustre promotora da Vara da Infância e Juventude de Londrina. Eu li a entrevista dela - que é objeto de crítica da Carina – e a achei confusa em certos momentos. Porém, não consigo perceber o exato alcance da tese defendida pela Carina. Atualmente, é preciso ter 14 anos para ser aprendiz e 16 para ser contratado com registro em carteira. Antes era preciso 12 para aprendiz e 14 para registro. Carina também é contra a atual legislação? Ou é contra apenas o retorno à lei antiga? Bom, isso não ficou claro.
Aguinaldo, eu concordo com a lei do Menor Aprendiz, a partir dos 14 anos, como é atualmente. E, mesmo assim, eu vejo essa legislação como uma tentativa de resposta à grave condição social em que se encontram muitos adolescentes brasileiros. Na minha opinião, o ideal seria que crianças e adolescentes - e também jovens - tivessem condições de se dedicar aos estudos até que terminassem sua educação formal. A não ser, é claro, que eles quisessem (os jovens, diga-se). Eu comecei a trabalhar aos 21-22 anos, recém-formada, como jornalista. E nem por isso sou menos responsável do que os que começaram aos 14, ou 12. Ou seja, eu não concordo com esse papo de que se começar mais cedo a trabalhar, melhor será para a pessoa. Aprender limites e responsabilidades começa em casa, com os pais, e também na escola.
Agora, independentemente disso, eu pergunto: por que uma lei deveria decidir isso? Por que o Estado tem de interferir nesses assuntos? Já não é suficiente que se exija compatibilidade do trabalho com educação e lazer? Um dos pontos que a promotora toca com razão é o impedimento legal de um pai ensinar o ofício a seu filho. Ora, não consigo assimilar tamanha ilegitimidade da ação do Estado.
Eu sei que você defende a menor intervenção do Estado em todas as questões. Mas o Brasil é um país extremamente legalista. Esta é a nossa tradição. Só vale o que está escrito na lei. Esta semana participei de um evento sobre resíduos sólidos e um dos palestrantes, falando sobre uma lei que deve ser enviada ao Congresso, falava que de um assunto que já estava regulamentado por um conselho, mas as indústrias brasileiras teimavam em não colocar em prática porque ainda não era lei. Ou seja, infelizmente, se o Estado não me diz como agir eu vou agir da pior maneira possível - é o que vale para muitos segmentos da sociedade.
E a lei que proíbe o trabalho infantil é para coibir abusos e explorações. Ora, um pai pode ensinar um ofício a seu filho, desde que essa criança ou adolescente estude, tenha tempo livre para brincar, para fazer tarefas escolares e tudo o mais que as crianças têm direito. Ou seja, a criança até pode aprender o ofício, mas não como obrigação de cumprimento de horário.


Carina argumenta, contra a promotora, que o pensamento dela valeria apenas para crianças pobres e não para filhos das classes média e alta. Mas qual o problema nisso? Certamente que não se pensa numa lei que discrimine pobres e ricos. Mas o ponto é que se a reclamação da Carina fosse procedente então não teríamos mais condições de determinar uma idade para início legal em atividades laborais. Com efeito, um pobre de 21 anos provavelmente terá mais necessidade de trabalhar do que um rico com a mesma idade. Um rico com 21 anos pode estar na Universidade, dedicando-se integralmente aos estudos. O pobre não. Então vamos impedir isso?
É o seguinte, a classe média não vai mandar seus filhos de 12 anos para o trabalho. Portanto, a defesa do trabalho precoce é para os filhos das famílias pobres. Ora, se eu considero que o trabalho é prejudicial ao estudo e ao desenvolvimento do meu filho, que tem 12 anos, por que o filho do pobre pode trabalhar? Aos 21, ou aos 18, já não estamos mais falando de crianças, então a conversa é outra.
Vou transcrever um trecho de um documento produzido pela OIT e pela ANDI, com o qual concordo integralmente: "É a família que deve amparar a criança e não o contrário. Quando a família se torna incapaz de cumprir essa obrigação, cabe ao Estado apoiá-la, não às crianças. O custo de alçar uma criança ao papel de 'arrimo de família' é expô-la a danos físicos, intelectuais e emocionais. É inaceitável, não só para as crianças, como para o conjunto da sociedade, pois ao privá-las de uma infância digna, de escola e preparação profissional, se reduz a capacidade dos recursos humanos que poderiam impulsionar o desenvolvimento do país no futuro (...)"


Carina também afirma: “Acredito que, em vez de a sociedade se mobilizar para mudar a legislação, por que então não mobilizar a sociedade para que sejam assegurados às todas as crianças os outros direitos - ensino de qualidade, esportes, lazer, cultura, alimentação adequada?”. Mas isso, Carina, não é incompatível com o trabalho infantil. A sociedade pode se mobilizar pelas duas coisas.
Aguinaldo, se uma criança trabalha, como é que ela pode usufruir de esportes, lazer e cultura? Se ela estudar no período da manhã e trabalhar no período da tarde (na melhor das hipóteses porque é bem provável que ela irá abandonar os estudos), provavelmente à noite ela estará bem cansada. Ela não vai ter tempo nem disposição para fazer tarefas, brincar, ver um filme, passear e etc.
Sem falar que o Brasil tem hoje milhares de crianças trabalhando em pedreiras, carvoarias, nas lavouras de cana, vendendo panos de prato nos bares à noite (o que é muito comum em Brasília, por exemplo), vendendo doces nos sinaleiros, como domésticas em troca de comida e pouso. É como eu digo no meu artigo, se não há emprego para jovens, que tipo de trabalho existe para as crianças?
Eu defendo que o Estado tem o dever de proibir esse tipo de exploração de mão-de-obra infantil. Até porque essa conversa de que é melhor trabalhar do que roubar (como se o roubo fosse a única alternativa que resta às crianças pobres) ainda justifica que a classe média empregue as crianças, com um salário baixíssimo, afinal, é um favor que se está fazendo à criança.

sexta-feira, julho 6

Trabalho Infantil

Abaixo reproduzo artigo escrito por mim e publicado na Folha de Londrina de ontem, dia 5. É uma constestação a uma entrevista da promotora da Vara da Infância de Londrina, Édina Maria de Paula, sobre trabalho infantil. A entrevista da promotora pode ser lida no endereço (eu não consegui fazer o link): http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=670LINKCHMdt=20070703

O professor de Filosofia da UEL Aguinaldo Pavão escreveu um post em seu blog comentando o meu artigo (e contestando algumas posições minhas). O endereço do blog dele é http://agguinaldopavao.blogspot.com/. Eu pretendo depois responder às questões apresentadas por ele, nos meus comentários.

A coluna Informe Folha, da edição de hoje (dia 6), traz algumas notas de apoio à opinião da promotora. E uma especialmente dedicada a mim (intitulada Preconceito Ideológico) que, na minha opinião, faz um julgamento leviano acerca dos motivos que me levam a ser contra o trabalho infantil. Acho que o debate deveria ser mais sério. Nos comentários, depois, vou responder ao Aguinaldo e espero expor melhor minha opinião.


Não ao trabalho infantil (artigo publicado na Folha de Londrina, dia 5)

Carina Paccola
Entendo que a promotora da Vara da Infância e Juventude de Londrina, Édina Maria de Paula, enfrente em seu cotidiano situações que a levem a pensar numa solução rápida para os problemas da infância brasileira. Mas tenho que discordar de sua posição que defende que crianças a partir dos 12 anos não só possam como devam trabalhar (‘‘Deixe o adolescente trabalhar’’, Opinião, pág. 3, 3/7).

Parece-me que esse pensamento só vale para as crianças pobres, que deveriam ajudar no orçamento doméstico. Ou esse pensamento também vale para os filhos de classe média e classe alta?

Não é à toa que o trabalho infantil é mais intenso em países mais pobres e nas regiões também mais pobres no Brasil.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outros organismos nacionais e internacionais mostram que o trabalho infantil traz prejuízo ao rendimento escolar, à saúde e ao convívio familiar e social da criança.

Para a promotora, a legislação parte de uma situação ideal em que crianças teriam atendidos seus plenos direitos. Como não é este o caso do Brasil, a solução apontada por ela é que se mude a legislação e as crianças possam trabalhar - e assim ficar longe das ruas, das drogas, da violência.

Acredito que, em vez de a sociedade se mobilizar para mudar a legislação, por que então não mobilizar a sociedade para que sejam assegurados às todas as crianças os outros direitos - ensino de qualidade, esportes, lazer, cultura, alimentação adequada?

Discordo também da afirmação da promotora que associa a proibição do trabalho infantil ao aumento da violência no País. A pesquisa Mapa da Violência, coordenada pela Unesco, mostra que os jovens são as grandes vítimas da violência no País. Não se pode culpabilizá-los pelo crescimento da violência.

O Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) também já divulgou que o desemprego entre os jovens é pelo menos duas vezes maior do que entre os adultos. Ou seja, se não há empregos dignos para os jovens, que tipo de trabalho será destinado a crianças a partir dos 12 anos?

O país deveria se mobilizar para garantir condições para o pleno desenvolvimento das crianças, sem que elas tenham que assumir responsabilidades de adultos numa fase em que elas ainda têm muito que brincar e aprender.

CARINA PACCOLA é jornalista em Londrina

terça-feira, julho 3

Quanta água!

Aos 17 anos, fui morar num pensionato em Bauru para fazer o terceiro colegial. Minha irmã, de 16, já morava lá. Mesmo assim, eu chorava de saudades de casa – distante cerca de 150 km. A cada 15 dias, ia para a casa dos meus pais.

No início do ano seguinte, meu irmão me trouxe a Londrina para prestar vestibular. Fiquei na república da Isa, da minha cidade, e que também ia fazer vestibular. Quando ele virou as costas e me deixou sozinha, me pus a chorar. Já na universidade, adorei Londrina e nem chorava mais de saudades. As idas para a casa dos meus pais eram mais espaçadas.

Sete anos depois, fui pra São Paulo trabalhar num grande jornal. Era um sonho. Mas toda noite, quando voltava pra casa, eu me debulhava em lágrimas. O apartamento ainda não tinha telefone. Eu descia à rua Jaguaribe para ligar de orelhão. E chorava.

Uma noite, a caminho da casa de uma amiga de infância, contei pro taxista que tinha saudades de Londrina. E caí no choro. Ele me aconselhou a voltar, o que acabei fazendo meses depois.

Aí passou muito tempo. Meu filho nasceu, cresceu. Vieram amores. Sumiram amores. E eu decidi me mudar pra Brasília. Enquanto ainda não tinha telefone, falava com minha mãe pelo orelhão. E chorava. Chorei meses. Até que voltei pra Londrina. Será que é impossível desvencilhar-se de Londrina a seco?

quinta-feira, junho 21

O silêncio é de ouro

Da próxima vez que um homem te disser algo que a deixe sem palavras, permaneça sem palavras para não dizer besteiras.

Essa frase, de minha autoria, devia ser meu lema quando me interesso por alguém. Eu tenho uma grande capacidade de fazer comentários idiotas diante de quem eu quero impressionar – bem, a pessoa deve realmente ficar impressionada pela quantidade de asneiras que eu consigo proferir num curto espaço de tempo.

E quanto maior é o meu encantamento pelo ser em questão, pior é o meu comportamento. O índice de respostas erradas é estratosférico. Por que será?

O cara está lá, cheio de boa vontade, tentando me agradar. E eu estou sinceramente sendo agradada. Mas cada interferência minha é uma catástrofe. Eu já li que é melhor ficar calada e muda nessas situações. Mas eu também quero agradar, mostrar que eu sou engraçada e, pronto, só sai idiotice.

Parece que eu sofro um ataque da síndrome da infantilidade tardia (essa eu também inventei agora). Sabe quando chega visita em casa e a criança quer fazer graça? E desanda a falar besteira e a fazer micagem? Pode o pai e a mãe olhar torto que o infeliz não se toca. Até que a mãe manda pro quarto e a criança se sente a maior injustiçada do mundo.

No meu caso, o meu sensor de idiotice é acionado tarde demais. Eu até fico calada, ouvindo tudo com a maior atenção e interesse. Mas quando me dão a deixa...

Acho que vou transformar a lista abaixo em mantra. E, toda vez que eu quiser abrir minha boca, vou repeti-lo mentalmente:

A palavra é prata, o silêncio é ouro.
Bastante sabe quem não sabe, se calar sabe.
Em boca fechada não entra mosca.
Falar sem pensar é atirar sem apontar.
Mais vale não dizer nada, que nada dizer.
Pela boca morre o peixe.
Quem muito fala, pouco acerta.

terça-feira, junho 19

Eu e o Cão

Quando avistei o pastor alemão uns metros à minha frente, diminuí o ritmo da caminhada e pensei em como fazer para me desviar do cão. Não foi preciso. Ele quis desviar antes de mim. E começou a atravessar a rua. Uma rua movimentada.

O sinal estava fechado; os carros reduziram a velocidade e esperaram o cachorro passar. Aí eu vi que seus passos eram trôpegos. Dava a impressão de que as duas patas traseiras estavam vacilantes e que ele não agüentaria ir em frente. Alcançou a outra calçada e parou. Sentou-se.

Eu não conseguia tirar mais meus olhos dele. A sensação de medo transformou-se em comoção. Fiquei comovida com aquele cachorro. Um homem começou a conversar com ele. Eu fiquei estática.

É como se aquele cão representasse a fragilidade humana. Um pastor alemão: uma raça forte, que inspira medo, agora não inspirava mais do que piedade. E os meus olhos se encheram de água.

Eu me via naquele cão. Ali estava o sinal da deterioração inexorável. O tempo se encarregará de nos transformar em seres trôpegos, vacilantes, que vão despertar piedade e comoção.

sexta-feira, junho 8

Dois olhares sobre o nordeste (e sobre a vida)

Na última semana, vi dois filmes nacionais que têm como cenário o nordeste brasileiro: Árido Movie e O Céu de Suely (foto ao lado).

Com direção de Lírio Ferreira e com bons atores (Selton Mello, Matheus Nachtergaele, José Dumont, Giulia Gam, Guilherme Weber), Árido Movie se passa no sertão pernambucano. Detestei o filme. A história é mal amarrada. Um jornalista de São Paulo volta à terra natal para o enterro de seu pai que fora assassinado. A família paterna quer que ele vingue a morte do pai. Essa idéia lhe parece absurda.

O filme retrata a justiça feita pelas próprias mãos em lugares onde falta tudo; a escassez da água; o polígono da maconha. Um encontro com o místico, através do consumo de ervas indígenas. A mistura me deu enjôo. Pode ser que o meu conhecimento sobre cinema seja limitado, mas o filme não me tocou. Nem de leve. E o som estava horrível. A fotografia é muito bonita. Mesmo assim, não vale o investimento. Ainda bem que era dia de meia-entrada, mas perdi meu tempo. Eu não recomendo.

Em contrapartida, O Céu de Suely é um oásis. O filme, de Karim Aïnouz, conta a história de uma jovem cearense que volta para a casa da avó numa cidadezinha à beira de uma rodovia e marcada pela miséria. Com um filho pequeno nos braços, ela vem de São Paulo e aguarda a chegada do jovem marido para tocarem a vida lá naquela lonjura. Ele não aparece e ela decide fugir mais uma vez do sertão. Para comprar a passagem de volta, começa a fazer bicos. Até que tem uma idéia original: fazer uma rifa de si própria.

O filme emociona. Existe uma delicadeza na narrativa que toca a alma. As imagens também são lindas. Depois que acaba o filme, ao ler os créditos, você descobre que os nomes dos personagens são os nomes “de verdade” dos atores. Em DVD, os atores contam como foi essa experiência. Eu não conhecia a atriz Hermila Guedes, que faz o papel principal. Ela é linda e faz uma bela interpretação. Esse eu recomendo.

domingo, junho 3

As formigas

Toda vez que chega o inverno e as formigas desaparecem da cozinha eu lembro da fábula da cigarra e da formiga. Se a fábula fosse recontada hoje, ia ter que mudar a moral da história. Essas formigas modernas são umas folgadas, que passam o verão inteiro te atazanando na cozinha. Atacam qualquer vestígio de comida, invadem o açucareiro, o pote de mel. De fruta, elas não querem nem saber, né? Nunca vi nenhuma com um pedacinho de folha nas costas, carregando pro formigueiro. Elas querem é comodidade!

Agora que chegou o frio elas estão lá dentro de suas casinhas, com a despensa cheia de mantimentos. Tudo produto roubado. E elas são resistentes. Você passa veneno, elas desaparecem por um período e logo voltam, renovadas, prontas pro saque.

Eu prefiro as cigarras. Principalmente as que tocam violão. Pelo menos elas animam a vida da gente em qualquer estação do ano.

sexta-feira, maio 25

Frio? Tô fora...

A um amigo, que acha exagero alguém reclamar desse frio

Eu não preciso ler os termômetros espalhados pelas ruas nem acompanhar as matérias sobre a meteorologia para saber que o frio chegou.

O meu nariz se encarrega de me avisar que está inspirando ar gelado ao devolver coriza e espirros.
O meu estoque de lenço de papel baixa rapidamente de uma hora para outra.

O antialérgico passa a ser item permanente dentro da bolsa.

A hora de levantar é um suplício. E a de deitar também.

Só me convenço de que tomar banho ainda é indispensável quando a água escorre quentinha sobre mim.

Fico prorrogando as idas aos banheiros porque elas significam tomar um ventinho frio no traseiro e ter que molhar minhas mãos.

Fico adiando qualquer atividade que envolva água, como lavar louça e até mesmo matar a sede.

O xampu fica mais espesso e demora a chegar às minhas mãos.

Eu me torno ainda mais caseira e não me animo a sair mesmo diante de programações culturais legais.

Tenho que movimentar meus pés várias vezes ao dia para que eles não endureçam.

Passo a comer mais rápido porque há uma queda significativa na temperatura da comida entre a primeira e a última garfada.

As blusas e casacos tornam meus movimentos mais lentos.

Agradeço por não morar em Curitiba e em nenhum país de clima frio.

E me lembro de que quando está muito quente eu repito: entre os dois extremos, eu ainda prefiro o super calor.

Ou seja, frio eu só gosto de ver em fotografia. E, como um dia já foi suficiente para eu usar meu casaco novo, pode voltar o calor que eu já estou com muitas saudades.

segunda-feira, maio 21

Eu, empacotada

Tem dias que é bom pensar num grande pacote e colocar ali tudo em mim que me incomoda, que me tira o sono. Meu cérebro, rapidamente, só seleciona as últimas cenas péssimas de minha vida. A retrospectiva mental dos piores momentos mais recentes. Assunto mal escolhido numa roda de amigos; comentários dispensáveis; contação de histórias idiotas; lembranças que não deviam ter sido compartilhadas; atitudes equivocadas. E, fio a fio, me sinto a pior da humanidade. Pra desocupar minha mente desse auto-julgamento, vou colocando tudo num pacote, num grande pacote, que fica cada vez maior. Quero preencher logo o pacote pra me livrar dele o mais rápido possível. Passo a me lembrar o tempo todo de que isso faz parte da minha humanidade, de que todos esses defeitos são possíveis apenas porque sou humana. Tento me consolar com a consciência da minha composição humanóide. Largo, enfim, o pacote, vencida pelo peso do sono. Fecho mentalmente os já fechados olhos. Quando acordo novamente, vejo que uma luz fraca ameaça entrar no ambiente. O sol, mesmo escondido entre nuvens, aquece um pouco meu coração e me anima a pular da cama. Sei lá se ao longo do dia vou conseguir me desfazer definitivamente dos meus defeitos ou se, na próxima noite, eles estarão lá a me assombrar.

sábado, maio 12

Melhor não tê-los?


O melhor das mães são os filhos. Hoje eu recebi o cartão mais lindo do mundo de Dia das Mães (deste ano, né?). Como é que pode aquela barrigona ter virado um menino que já está do meu tamanho, com os pés maiores do que os meus e que já tem suas próprias opiniões sobre muitas coisas da vida? Ao chegar em casa após a saída do hospital, com um bebê enroladinho, sinceramente senti vontade de sair correndo. O que eu vou fazer com isso?, me perguntava. Confesso que não foi fácil. Os primeiros dias como mãe já foram suficientes para derrubar o mito de que ser mãe é a coisa mais linda do mundo. E também para me fazer desistir da idéia de ter seis filhos. A noção de que aquele ser depende inteiramente de você para sobreviver é apavorante. O teste do pezinho, alguns dias depois do parto, na verdade é um teste para avaliar a capacidade de auto-controle das mães para não estrangularem a enfermeira que fura e espreme o pé do seu bebê para literalmente tirar sangue enquanto ele berra de dor. Sem falar das inúmeras vacinas que vão arrancar lágrimas de seu menino diante de você, que se desdobra em afagos e palavras de consolo. Para poder trabalhar e continuar sendo mãe, você ainda terá que percorrer dezenas de berçários e optar por um para depois morrer de culpa se descobrir que fez a escolha errada. Isso irá se repetir em outras fases da vida da criança. Você ficará chocada quando perceber que não controla tudo na vida de seu filho. Mas essa descoberta vem cedo. Ainda na fase do berçário, quando ouvi-lo falar uma palavra que não foi você que ensinou. E também ao ouvir as professoras contarem gracinhas feitas por ele na sua ausência. O que mais me surpreende até hoje e no fundo me causa uma grande felicidade é ver meu filho desenvolver seu próprio pensamento e construir opiniões sobre temas que você não se lembra de ter conversado com ele. E ver que ele também apreendeu valores ensinados por você, como respeito e solidariedade, e que é sensível à dor dos outros. E é tudo verdade quando dizem que você só compreende seus pais quando tem um filho. E também é verdade que o amor que você tem por seu filho é o maior amor do mundo, é ilimitado e incondicional. E eu sempre tenho a certeza de que o amor que sinto hoje por ele é maior do que foi ontem e de que amanhã será maior do que é hoje. Que coisa, hein? E eu não acho que ser mãe é a coisa mais linda do mundo – como nos querem fazer crer. Para mim, ser mãe é construir uma relação permeada de cuidados, responsabilidades, desapegos, tolerância, incertezas, inseguranças. Não há mágica nessa história. E vale a pena!

Imagem: "Mother & Child" , de Gustav Klimt

quinta-feira, maio 10

Dez de maio

Hoje faz um ano de um dia feliz. Tento reconstituí-lo na memória. No trabalho, correria. Precisava terminar relatório, boletim e muita coisa porque era minha última semana de emprego. Devia deixar tudo em ordem. Não lembro do almoço. Só da briga boba com o Ní que insistia em ouvir Tim Maia no carro e eu já não agüentava mais A semana inteira, fiquei esperando... Queria ouvir o CD novo da Marisa Monte. Depois de um tempão sem música no carro, agora tinha um toca-cd novíssimo comprado para encarar a viagem de volta. Eram 1.200 km. Não dá pra encarar 1.200 km sem música. Deixo o menino na escola e sigo pro trabalho ouvindo MM. No estacionamento em frente ao trabalho, não havia mais vaga. Tive que deixar o carro 100 m distante. Não gostava desse outro estacionamento. Não conhecia os guardadores. E foi ali que roubaram meu toca-fitas antigo e barato bem no Dia da Mulher, um ano antes. No encerramento do expediente, combinei com alguns colegas uma paradinha de despedida no Beirute. Eram 19h. Estava falando ao celular com uma amiga, quando percebo que está difícil abrir o carro com a chave. Intuio rapidamente o que aconteceu. Da outra vez também foi assim. Eles forçam a fechadura, entram e levam o seu som. Pode ser som porcaria. Não importa. Quando constatei que era verdade, comecei a chorar de raiva. Minha amiga, no telefone, tenta me consolar. Entro. Não havia mais toca-cd. Nem a música nova da MM. Liga outro amigo. Chorando, explico o que aconteceu. Tinha aproveitado uma promoção no Extra. Toca-cd baratinho, em dez vezes, com instalação gratuita. Ele sugere: Vai lá e compra outro. Assim você não fica sentindo tanto... Pelo menos a frente do toca-cd estava comigo na bolsa. Pelo menos não conseguiram tudo. Pego o Ní na escola e rumamos pro Beirute. Cerveja, risadas, conversas tolas. Um leve friozinho. Incidente esquecido. Ganho até presente. Presente atrasado de aniversário... Mas a felicidade veio depois. Do inesperado. Coisa boa que não mais se espera fica ainda mais boa. Traz um sorriso de orelha a orelha. Vira segredo. E segredo a gente não conta. No dia seguinte, cedinho, antes do trabalho corri no Extra (ele não fecha nunca) e comprei o último toca-cd da promoção, que estava ainda mais barato. E me deixei mais feliz ainda...

Imagem: pintura de Sultanov Yuriy


Com aveia, com afeto

Com sete filhos, minha mãe tinha muitas opções de viagem. Embora tivesse sua própria casa, ela ficava alguns períodos com cada um de nós. Quem a recebia, tinha que ter na cozinha alguns produtos básicos: açúcar mascavo, aveia, banana, pão integral.

Mas não era assim tão fácil. O açúcar tinha que ser o mais escuro que você encontrasse. Se não, nem adiantava. Se você comprasse um clarinho, depois ia ter que ir atrás de um mais escuro. O mesmo acontecia com a aveia, que tinha que ser em flocos grossos. Banana tinha que ser nanica, não muito madura. E o pão, de preferência da marca Nutrella sabor iogurte, cenoura e mel. Ela até aceitava outro se não tivesse este.

Com o tempo, tornou-se natural atender a esses pedidos. Em 2005, nos dois meses que ela ficou em casa, em Brasília, até me habituei a comer aveia diariamente. E também passei a preferir os flocos grossos.

Em junho do ano passado, já em Londrina, ela foi morar em minha casa. Foi um exercício mútuo de paciência e tolerância. E um clima de muito afeto. Até que ela me surpreendeu: Eu quero aveia de flocos finos. Sem entender direito, não deixei faltar nenhum tipo de aveia na prateleira.

Um dia, no supermercado com minha irmã, eu procurava aveia para a minha mãe. Minha irmã lembrou: Tem que ser de flocos grossos. Eu expliquei: Não, agora ela quer de flocos finos. Nós rimos.

Agora leio uma matéria que fala que o farelo de aveia (os flocos finos) traz mais benefícios à saúde do que a aveia de flocos grossos. Minha mãe sabia das coisas. Na próxima compra, eu já vou trocar a textura da aveia. Vou fazer questão dos flocos finos.

Imagem: ©Malka 2002

segunda-feira, maio 7

Tempo e dinheiro

O dinheiro
Sábado eu estava saindo de um supermercado com o carrinho cheio e na única passagem rebaixada da calçada para a rua havia a roda traseira de um carro-forte que devia estar abastecendo algum caixa eletrônico por perto. Eu tive que me espremer para conseguir passar naquele espaço. É lógico que fiquei olhando fixamente para a cabine do carro para mostrar que eles estavam incomodando. E fiquei pensando que eles poderiam pensar que naquele carrinho havia uma bomba ou uma arma e poderia ser uma tentativa de assalto. Sei lá. Vai saber o que se passa na cabeça daqueles caras armados. Mas eu não devo ter cara de assaltante e eles nem desconfiaram dos meus pensamentos.

Todo carro-forte sabe que pode ocupar todos os espaços que quiser. Mais do que as finadas Torres Gêmeas, para mim, o carro-forte é o emblema máximo do capitalismo. Ou do lugar que o dinheiro ocupa na sociedade. Eu sempre penso nisso quando vejo um. Na verdade eu acho engraçado ver aqueles caras ultra-armados em torno do carro-forte e do caixa eletrônico. Unicamente para proteger quem? Eu sempre penso nisso. Até parece que do carro vai sair o Bush, ou o Papa, ou alguém considerado muito importante, que pode sofrer um atentado. Mas, não. É só o dinheiro que está dando uma voltinha.

O tempo
E quando toca o despertador de manhã, eu penso que, além do dinheiro, o tempo controla nossa vida. Tudo o que fazemos é calculado em porções de tempo. Isso também é engraçado. Cumprimos nosso trabalho em função de um tempo previamente calculado. O trabalhador escuta o relógio para saber a que horas deve deixar o seu trabalho. E sabe que tem outra porção de tempo para comer e voltar ao trabalho. E também quanto tempo foi destinado para seu sono à noite.

O tempo é nossa referência de vida. Sem calcular o tempo, será que enlouqueceríamos? Por que nos filmes quem está cumprindo anos e anos de pena fica preocupado com o tempo? Por que precisamos sempre ficar calculando quanto tempo temos para isso e aquilo se na verdade não sabemos quanto tempo temos ainda? É porque não sabemos quanto tempo temos que calculamos o tempo? Para dar tempo de fazer tudo o que queremos antes que se encerre o nosso tempo final?

Quem tem dinheiro consegue dispor melhor de seu tempo? Ou quem não se preocupa muito com dinheiro, ou para quem o dinheiro não é o centro de suas atenções, tem mais tempo livre para fazer o que bem quer? O que é mais importante: o tempo ou o dinheiro? O tempo de quem tem dinheiro vale mais do que o tempo de quem não tem? Por isso, então, que tempo é dinheiro?


sexta-feira, maio 4

Saudades

Tanto tempo sem tempo pra escrever que quando fui responder alguns comentários, errei a senha duas vezes... Nesse período, tive tantas idéias pra postar que elas já foram esquecidas. Uma vez alguém disse que se a idéia for boa ela volta, se não é porque não era tão boa assim. Trabalhar 8 horas por dia diante do computador me fez manter distância do teclado em casa. Isso talvez explique essa ausência prolongada.

Acabo de chegar do shopping com o Ní. Não conseguimos assitir ao novo Homem Aranha de tão grande que estava a fila. Mas ocupamos o tempo atrás de roupas de frio para ele. Encontramos algumas peças. Já dá pra encarar o friozinho que está cada ano mais tímido. Agora, é fazer uma limpa no armário pra substituir as roupas pula-brejo pelas novas.

Quando entramos na sala, lembramos de minha mãe e deu tantas saudades. Se ela estivesse aqui, ia ver as roupas novas do Ní e dizer que são lindas. E a gente ia abrir a porta preocupados porque nos demoramos muito. E ela ia dizer que não demoramos, não. Que ela ficou bem.

Ela gostava de bolinhos de bacalhau. No caminho da fisioterapia, um dia, ela viu um restaurante que anunciava os tais bolinhos. Pronto. Toda semana ela pedia. Era muito bom. Uma porção tinha 12 bolinhos. Eu e o Ní íamos à noite comprar. O cara fritava na hora e eu os trazia quentinhos. Era muito bom.

De vez em quando ela pedia pastel. De palmito e de queijo. Eu ia buscar na rua Sergipe, na melhor vitamina de Londrina. Preciso voltar lá.

Quando eu brigava com o Nícolas, briguinha de mãe e filho, ela ficava brava comigo. Queria protegê-lo. "Não fale assim com ele", dizia. Uma vez eu falei: "Ah, mãe, não interfira". E o Nícolas: "É, vó, deixa a gente brigar em paz!"

Saudades de todos esses momentos. Ainda bem que existiram esses momentos. E essas lembranças agora ajudam a suportar as saudades. Esse post ficou assim meio sem pé nem cabeça. É só um aquecimento. Vou resgatar as idéias antigas porque acho que eram boas idéias e vou escrever com mais assiduidade.


domingo, março 25

Azul

Criança, li que pessoas de olhos claros não são confiáveis. Dona de olhos castanhos e ensanduichada entre duas irmãs loiras, uma de olhos azuis e outra de olhos verdes, quis logo aderir à idéia. Seria a vingança da confiabilidade contra a primazia da estética. Depois, concluí que isso só poderia ter sido escrito por alguém de olhos escuros que, valendo-se de sua suposta credibilidade, atestada pela cor de sua íris, pensou sentenciar como verdade sua tolice.

E então eu penso no mar. Nos olhos do mar. No azul do mar. Num azul tão lindo, que às vezes é verde, e às vezes um azul tão claro e tão límpido, que é calmaria. Às vezes, um azul escuro, profundo. É um azul tão imenso que se confunde com o azul do céu, de um azul tão claro que deixa passar a luz do sol. E então é um azul que ilumina. Ou é um azul tão escuro, e aí já não há mais certeza. Só mistério. Um azul tão negro que anuncia tempestades. E a hora de recolher-se. Ou um azul tão escuro e translúcido que deixa passar a luz das estrelas. Aí é sabedoria. Mas eu sei que são apenas olhos, que não me canso de olhar. Que me ficam retidos na retina. E eu posso fechar os meus olhos que eu ainda vejo esse azul.

sexta-feira, março 16

Os amores que se vão...

É tão bom quando o amor, que já acabou, acaba definitivamente de verdade. Porque às vezes o amor acaba na prática, não existe mais a relação amorosa, mas ele continua ali, subjacente, dormente, e de vez em quando dá sinais de vida. Que são reconhecidos com um " Pqp, você, aqui, ainda? Já era pra você estar bem longe de mim."

E eis que um belo dia, que nem precisa ser belo de verdade, pode ser até um dia cinzento, chuvoso, em que você se olha no espelho e nem se sente assim bonita, em que você nota que sua cara já traduz a sua idade. Pois bem, até mesmo nesse dia, você se dá conta de que aquele amor, aquele que quando se foi você pensou que fosse morrer (não, você não pensou isso porque você já sabia que havia perdido muitos outros amores e que não morreu, felizmente, nenhuma vez), mas de qualquer forma, aquele amor que arrancou muitas lágrimas, uivos e gemidos, finalmente se foi. E não porque apareceu outro pra substitui-lo, mas porque ele apagou, definhou e sumiu. Evaporou. Porque não havia sido alimentado e porque esse é o destino dos amores que não são mais alimentados.

Ufa! Que bom!