sexta-feira, abril 27

Hora do almoço

Com o horário apertado para almoçar, assim que viro na rua de casa, já vejo que tem um carro atrapalhando a entrada da garagem do prédio onde moro. Como moro no centro, isso é bastante comum. Geralmente, a seta ligada e uma buzinadinha resolvem o problema. Hoje, havia um fusquinha. Um senhor, em pé do lado de fora do carro, disse que era para eu esperar um pouco. Fiz uma cara de “Fazer o quê, né?” e aguardei. Ele gesticulava dizendo que as pessoas iam voltar logo. Eu respondi com um gesto de que queria entrar. E perguntei por que ele não ia um pouco pra frente que eu conseguiria entrar. Ele me disse, como se estivesse jogando praga: – A senhora vai envelhecer um dia! Eu respondi: - O senhor também. Aí ele fez cara de bravo. Eu retruquei – Minha hora de almoço é apertada. O senhor não sabe que não pode parar em frente a garagem?
Ele veio até minha porta, pediu desculpas e disse que não tinha um tostão pra parar na zona azul. Sorri, e disse que ele estava desculpado e que eu esperaria ali, então. Dali a pouco chegaram as pessoas que ele esperava: dois velhinhos capengando. Fiquei com pena e sorri. Os velhinhos entraram na maior vagareza. Mas a minha pressa já tinha partido. O motorista veio novamente à minha porta e pediu desculpas de novo. Eu disse que estava tudo bem, eu é que pedia desculpas por ter ficado brava. Eles saíram. Entrei na garagem sorrindo e pensando que eu queria me chamar gentileza e não brabeza.

quarta-feira, abril 25

Inadequações

Ele entrou na sala falando alto. Irritantemente alto. Nossa, doeram os ouvidos. Notei, então, que o que ele queria era chamar a atenção da mocinha nova, tão bonita, tão doce, tão meiga. E tão alheia a ele. Cada palavra que saía de sua boca reverberava forte em meus ouvidos. Primeiro, analisei o conteúdo. Eram palavras sem nexo. De um assunto que não interessava a ninguém na sala. Muito menos à mocinha. Porque na verdade as palavras dele não exprimiam o que estava em seu coração. Eram significantes sem significados. Depois pensei que o tom tão elevado era pra mostrar a potência de sua voz. Voz grave. Palavras bem articuladas. Ele continuava falando e ela não lhe deu a mínima. Ele queria que ela o achasse o máximo. E ela não lhe dirigiu um mínimo olhar, nem um tímido oi. Nada. Talvez tenha sentido raiva, assim como eu, por termos nosso silêncio e concentração invadidos por aquela explosão de voz e potência e vazio. Diante da hostilidade dela, minha raiva transformou-se em compaixão. Acho que uma compaixão por mim mesma. Por todas as vezes em que elevei o tom para me mostrar o máximo, e eu era o mínimo. E lembrei da triste história do moço que levou um bombom para a menina mais linda da sala, que ele achava o máximo, e ela não lhe deu a mínima. Nem se lembrou de levar o bombom embora.