sexta-feira, abril 29

Infância

Quando eu era criança, não existia muito o nome Carina. Era meio diferente. Um menino que estudava comigo falou pra mãe dele que na sala havia uma menina com um nome estranho, que parecia margarina.

Depois eu me apaixonei por este menino. Quando estava com nove anos, no terceiro ano, eu estava em pé na sala e ele disse: "Senta aí, ô transparente!" Bem, mexeu com minha brabeza. Eu respondi: "Me espera na saída" (chamando pra briga).

Quando bateu o sinal, eu estava rezando para ele ter esquecido o assunto, mas ele não esqueceu. Estava me esperando do lado de fora do portão da escola. Apanhei bastante. Acho que eu só tentei agarrar os cabelos dele, sem sucesso. Fiquei com muita vergonha. Decidi que nunca mais ia chamar ninguém pra briga porque eu sempre fui fraquinha. E acho que ali acabou a paixão que eu sentia por ele.

Há pouco tempo, estávamos lá em Piraju, meus irmãos, amigos de infância, e eu contei o episódio que, é claro, nunca esqueci. Quando ficaram sabendo que aquele menino tinha me batido, ficaram indignados. E um disse: "Bem, com certeza, foi a única vez que ele conseguiu bater em alguém." Ao ouvir isso me senti defendida e pensei, feliz: - A justiça tarda, mas não falha!

segunda-feira, abril 25

A vida

O banho morno acarinha a pele.
O café quente acalenta a alma.
O Sol no céu alegra o dia.
O sorriso franco anima a jornada.
O abraço terno afaga por dentro.
O abraço forte ajuda a aprumar.
O olhar direto alerta os sentidos.
O beijo caliente me acende inteira.
A indiferença abala a crença.
A briga à toa atazana um pouco.
A briga séria antecipa o inferno.
A reconciliação ata novamente.
A morte apaga tudo.
A fé anuncia a luz.
A falta de fé avista o fim.

terça-feira, abril 19

A fila que não anda e a esperança

Enquanto espero, espero. Espero que o pensamento se assente para saber o que pensar enquanto espero.
Espero e penso que a esperança é um esperar otimista. É esperar com expectativa de que vai dar certo - seja lá o que você estiver esperando: o filho nascer, a sua vez chegar, o amor aparecer.
Enquanto se espera com esperança, a ansiedade passa a ser o quando. O tempo da espera angustia. A espera será curta? Longa? E a espera do que não se sabe o quanto esperar? O tempo da espera não se mede com relógio.
Esperar virou tão cotidiano que criaram as salas de espera. São a ante-sala do objeto de desejo.
A espera confere graus de classificação social. O tempo de espera é inversamente proporcional à importância de quem espera. Os mais importantes são esperados. Os desimportantes esperam mais.
E nem sempre alcança quem espera, embora a esperança seja a última a morrer. E morrer, que é certo, ninguém quase nunca espera.
Já quem espera ansiosamente a morte é um desesperançado. Já não espera mais nada da vida. Espera a morte, que é certa num tempo incerto. Esperar a morte é o fim da esperança. Saber esperar será sabedoria?

sexta-feira, abril 15

No supermercado

Mal havia entrado no supermercado, um senhor se aproximou de mim e disse que no concorrente as verduras e legumes estavam bem mais baratos. E foi recitando o preço de cada item. Elogiei a memória dele e entrei para as compras. Pensei com meus botões: – Este é dos meus! Puxa conversa com desconhecidos!

Eu gosto de conversar com desconhecidos. Você está lá na quitanda do supermercado quando se depara com um preço abusivo de algum produto. Como manifestar sua indignação? Vai ligar pra sua irmã, falando: “ Você não acredita quanto está o quilo do tomate!”? Claro que não. É uma indignação momentânea, que tem que ser compartilhada com quem está ao lado. A queixa sobre o preço só faz sentido se for feita ali, na frente do produto, em meio a donas de casa, que estão na mesma função de pensar na salada do almoço familiar.

Acho que herdei o dom de falar com desconhecidos da minha mãe, que adorava puxar uma prosa com quem estivesse ao lado. Tem gente que detesta ser abordado por quem não conhece. E, nós, do outro lado, percebemos logo. Somos ignorados. Aí a gente faz uma cara de sem graça – que o outro nem percebe porque realmente está te ignorando – e parece que você é uma louca que fala sozinha. Mesmo assim eu não desisto. Supermercado é o ambiente mais propício para esse tipo de conversa, melhor que elevador.

Em elevador, eu não falo nada. Às vezes, se o assunto for muito urgente e estiver fervilhando na minha cabeça eu comento com um vizinho, mas é complicado porque a conversa fica sem pé nem cabeça, fora de contexto. Não dá muito certo.

No mesmo dia em que o homem falou dos preços, na prateleira do leite longa vida, uma mulher já me alertou sobre determinada marca: ela havia comprado uma caixa, dentro do prazo de validade, e o leite estava todo estragado. Eu aproveitei para contar sobre um melão, pelo qual havia pagado R$ 9,50, que estava todo podre por dentro. E eu voltei ao mercado, entreguei a fruta ao gerente que aceitou sem me contestar. Ou seja, assuntos extremamente relevantes...

Fila de banco também é outro local estimulante para esses papos. Geralmente para reclamar do mau atendimento, da demora, do salário baixo dos funcionários, das taxas abusivas e do lucro alto dos banqueiros. Porque, além de falante, sou militante. Puxa, eu tô achando que eles colocaram aquelas cadeiras que fazem a gente esperar sentado com o objetivo de desestimular as conversas paralelas... Vai que viravam motim!

terça-feira, abril 12

Lobão, a mil

50 anos a mil é o título da autobiografia do músico Lobão. Assinado em conjunto com o jornalista Cláudio Júlio Tognoli, o livro tem uma forte oralidade e me fez entrar no ritmo acelerado da vida do Lobão. Realmente ele chegou aos 50 a mil por hora, e poderia também dizer que viveu mil anos em 50.

Eu já tinha uma admiração pelo músico por suas denúncias contra as gravadoras que sempre ditaram o que a gente pode ou não ouvir no rádio. Os detalhes que ele conta dão a dimensão dos interesses quase nunca nobres por trás do mercado fonográfico. E sempre admirei a autenticidade que sempre marcou suas manifestações.

O que mais me impressionou, no entanto, foram os detalhes da vida pessoal do Lobão. Aos 20 anos, ele já tinha passado poucas e boas. Esse cara deve ter uma estrutura interna muito forte para suportar todos os trancos e barrancos que lhe atravessaram a frente.

No domingo (10 de abril), assisti a uma entrevista com ele no programa Café Filosófico, da TV Cultura. O programa foi gravado antes do lançamento do livro e o tema era a Relação do Homem com o Sagrado e o Profano. Ele contou – como fez no livro – sua relação com a Umbanda. Mesmo criado numa família católica, teve seus momentos com as entidades do além, encaminhado por sua mãe. Ele teve uma mãe superprotetora e a relação entre os dois era conturbada. Ela se suicidou e deixou uma carta em que culpava Lobão por sua morte. Ainda bem que ele não deu a mínima para o recado. Aliás, acho que ele entendeu o recado desde cedo: se desse crédito à sua mãe, ele provavelmente não teria sobrevivido.

Na página 290, ele se define: "Eu sou um maluco que resolve. Qual é o problema do cara ser perneta se ele tem um bom drible? Maluco é o cara que tá malresolvido e não consegue dar cabo de seus intentos. Eu vou me cuidando como posso (...)". Ele realmente se conhece, sabe dos seus limites, suas loucuras e sua potencialidade. Ele é genial.

Na página 293, solta mais uma: "(...) Ultimamente tenho orado muito por Deus (...) Se Ele fosse onipotente e onisciente, não brincaria de erro com a humanidade (...) Em vez de pedirmos benefícios para nós, seria melhor pedir benefícios para Ele próprio, que se resolva logo e pare de brincar de autorama com a gente, por exemplo."

Lobão é um cara que torna a vida mais dinâmica e menos hipócrita. Adoro as confusões que ele causa. E acho muito legal que tenha encontrado uma companheira, Regina, que de fato o acompanha. Que ele viva outros 50, no ritmo que lhe convier.

sexta-feira, abril 8

Paranoia materna

- Mãe, você me ligou 11 vezes?

- É porque você não atendia...

- Mas é que eu estava no jogo!

- É, mas você disse que ia terminar às oito e meia e ia me ligar!

- Então, eu não liguei porque ainda não tinha acabado.

- Mas eu fiquei preocupada...

- Preocupada com o quê?

- Ah, não sei, vai que você tinha sido sequestrado.

- Sequestrado? Mas a gente não é rico!

- Ah, não sei, tem gente pra tudo nesse mundo!

- Se eu tivesse sido sequestrado, o sequestrador ia atender e ia dizer: "Se a senhora ligar de novo, eu mato seu filho!"

- ...

- E eu ia dizer: "Moço, fica comigo!"

quarta-feira, abril 6

Tô no Outono

Tô no Outono. Manta pra dormir. Meia manga pra vestir. Meio vidro pra meio vento. Nariz escorrendo. Tô no Outono. Nem tanta sede. Nem tanto mar. No meio da tarde, o sol tá quente. Do meio pro fim, mais friozim. Se chove, abafa. Se limpa, esfria. O tempo oscila. Tá frio, tá calor, tá fresco. Transição Verão pro Inverno. Tô no Outono. Mas só sabe quem vive aqui, quem escorre no Verão, porque quem congela na neve deve achar esse Outono bem Verão.