segunda-feira, julho 27

Essa chuva que não para

"A Chuva", Oswaldo Goeldi
E essa chuva que não para.
Nunca os vizinhos conversaram tanto no elevador. Também, com tanta água caindo, não está faltando assunto.

Ainda não permitiram a falta ao trabalho por motivo de chuva que não para. Mas a máquina de lavar está trabalhando menos. Ninguém arrisca ficar com cheiro de cachorro molhado.

E eu tive que tomar chuva no meio da rua porque meu guarda-chuva alaranjado se desmontou quando eu mais precisei dele, o danado! Não tive saída a não ser atirá-lo na lata de lixo na calçada, afinal, não queria pagar mico me molhando com um guarda-chuva na mão.

E o medo de acordar cheio de escamas?
E o medo de a chuva revelar mofo onde não supúnhamos que existia?

Tanta água assim e me veio à mente Macondo, de Cem Anos de Solidão. Preciso reler este livro. E lembrei do filme “O Veneno da Madrugada” (uma adaptação de um outro livro de García Márquez que nunca li), onde também a chuva não para. Por que será que García Márquez põe tanta água em suas histórias?

E uma vez eu estava triste e estava chovendo. E eu via as gotas escorrendo pelo vidro da janela. E eu não sabia se chovia mais lá fora ou dentro de mim. As minhas lágrimas se confundiam com as lágrimas do céu.
E essa chuva que não para!

Jogo de sinuca

Na minha época de TV – há 20 anos – éramos eu, um cinegrafista, um operador de VT e um motorista. Ficávamos longe, numa cidadezinha pequena, e tínhamos que percorrer a região atrás de matérias. Havia um horário para enviar a matéria para Londrina, via malote. Então depois do expediente, a próxima parada era um boteco com uma mesa de sinuca.

Eu e o cinegrafista contra o operador e o motorista. Eu era café-com-leite. Mas havia boa vontade dos meus colegas. Eles me ensinavam como me posicionar, apontavam a melhor bola para mim e diziam até a intensidade com que eu devia jogar. Meu principal instrutor era o motorista, meu adversário. E todos comemoravam os meus acertos.

Às vezes eu errava tanto que meu parceiro perdia a paciência. Eu só ria. Uma vez, lá estávamos num botecão perto de uma grande empresa. Logo em seguida o bar encheu-se de operários. Naquele dia, especialmente, meu parceiro reclamava muito das minhas jogadas. Ele estava mesmo sem paciência.

Eu fui ficando constrangida porque quanto mais ele falava mais eu errava. Até que um dos operários me chamou para ser parceira dele. É claro que eu aceitei. O melhor é que o cara era tão bom que jogava por mim e por ele. Então, mesmo quando eu errava, ele salvava. A nossa dupla ficou imbatível. Ninguém nos tirava da mesa. Nem mesmo o cinegrafista. Eu estava vingada...

quinta-feira, julho 23

Cada coisa...

Quando chove assim, eu gosto só de ficar em casa. Pena que não posso. Eu li num jornal que o incêndio naquele prédio em Londres, onde morreram três paranaenses, foi causado por um aparelho de TV antigo. Fui ler a matéria e vi que o televisor (se é antigo tem que ser televisor, né?) tinha mais de dez anos. Hahaha. Agora, televisores com mais de 10 anos são antigos. Tenha dó, né? Notícia mal apurada... Imagino que com as instalações elétricas do tal prédio qualquer aparelho ligado na tomada poderia provocar um incêndio. Lembrei que quando meu computador tinha sete anos eu fui fazer um upgrade (é isto?) e um aluno meu disse: Nossa, professora, que computador antigo, hein? Pelo menos não causou nenhum incêndio.

Voltando às apurações de notícias. Li no Estadão de ontem (22) que em São Paulo haviam morrido seis pessoas de gripe A (a suína), entre elas uma grávida. Fui ler a matéria e lá estava que a grávida morreu dia 14 e ela havia tido o bebê no dia 9. Bem, então ela não estava mais grávida quando morreu, né?

E toda notícia que leio sobre alguém que morre de câncer, está lá: a fulana “lutava” contra um câncer fazia sete anos ou sei lá há quanto tempo. Por que não se diz apenas que a pessoa tinha câncer ou que a causa da morte foi um câncer? Como é que se luta contra um câncer? E se a pessoa não lutou, se entregou... O repórter foi lá e pegou informações sobre o tratamento? Se estava em tratamento então estava “lutando”? Não gosto disso.

Mas eu continuo achando que sem diproma tudo pode piorar...

E o Sarney, hein? A coisa tá podre mas não cai... Inda mais agora com o Lula sustentando...

Ah, eu queria ler uma entrevista com o Abílio Medeiros para ele contar como consegue acertar todas as fotos que são publicadas no JL às segundas. Eu nunca acertei nenhuma. Fico pensando se ele se reúne logo cedo com todos os corretores que trabalham na imobiliária dele e avisa: até as 10h, alguém tem que trazer a resposta pra ele. Ou será que é ele mesmo que acerta? O JL poderia fazer uma matéria, né? Tem um cara que trabalha comigo, o Gabriel, que agora está acertando também. Outro dia pedi pra ele me explicar como é que ele faz isso. E ele explicou, mas eu não vou contar aqui porque a explicação requer a presença da foto. Vou tentar usar a metodologia na próxima...

terça-feira, julho 7

O poncho vermelho

Eu tenho um poncho vermelho que ganhei da avó de um menino. Essa avó tem mãos hábeis que entrelaçam fios de lã até transformá-los em peças quentinhas e aconchegantes. É um poncho muito bonito.

Mas além de embelezar, ele protege contra o frio. E quando eu o visto tenho vontade de agasalhar nele o menino Nestor que vende oito pares de meias por dez reais, da marca que o freguês quiser: Nike, Adidas, Puma. Todas iguaizinhas. Só muda a logo. O menino tem 14 anos. Não sei se ele tem uma avó que lhe faria um poncho. Talvez ele só tenha as meias contra o frio e contra a pobreza.

No meu poncho, eu também queria abrigar aquela mulher que chora porque tem medo de que a sua mãe vá embora para sempre. A sua mãe nunca lhe fez um poncho. Pelo contrário. A sua mãe sempre lhe dirigiu palavras duras e frias. Mas ela é a sua mãe, e ela achou que sua mãe fosse eterna.

Acho que no meu poncho também cabe outra mulher, que lamenta todas as escolhas amorosas feitas até agora. Todas erradas. E se pergunta se a dor da solidão sozinha é a mesma dor da solidão acompanhada. Será que no poncho ela vai se sentir assim tão só?

Poderiam ser aconchegados no poncho alguns meninos adolescentes que vão para a escola e não aprendem o que os professores ensinam. Eles não sabem se eles não aprendem porque os professores não sabem ensinar ou se são eles que não sabem aprender. E quando eles lêem números e letras tudo se confunde e parece sem sentido. Eu queria aconchegá-los no meu poncho e dizer-lhes que há ainda muito tempo para aprender.

E eu ainda queria guardar no meu poncho, bem apertadinho, um homem de cabelos de anjo, olhar e fala doces. Este homem tem as mãos tão hábeis que são capazes de desenhar notas musicais e compor lindas canções, que poderiam embalar todos os habitantes do meu poncho.