domingo, março 25

Azul

Criança, li que pessoas de olhos claros não são confiáveis. Dona de olhos castanhos e ensanduichada entre duas irmãs loiras, uma de olhos azuis e outra de olhos verdes, quis logo aderir à idéia. Seria a vingança da confiabilidade contra a primazia da estética. Depois, concluí que isso só poderia ter sido escrito por alguém de olhos escuros que, valendo-se de sua suposta credibilidade, atestada pela cor de sua íris, pensou sentenciar como verdade sua tolice.

E então eu penso no mar. Nos olhos do mar. No azul do mar. Num azul tão lindo, que às vezes é verde, e às vezes um azul tão claro e tão límpido, que é calmaria. Às vezes, um azul escuro, profundo. É um azul tão imenso que se confunde com o azul do céu, de um azul tão claro que deixa passar a luz do sol. E então é um azul que ilumina. Ou é um azul tão escuro, e aí já não há mais certeza. Só mistério. Um azul tão negro que anuncia tempestades. E a hora de recolher-se. Ou um azul tão escuro e translúcido que deixa passar a luz das estrelas. Aí é sabedoria. Mas eu sei que são apenas olhos, que não me canso de olhar. Que me ficam retidos na retina. E eu posso fechar os meus olhos que eu ainda vejo esse azul.

sexta-feira, março 16

Os amores que se vão...

É tão bom quando o amor, que já acabou, acaba definitivamente de verdade. Porque às vezes o amor acaba na prática, não existe mais a relação amorosa, mas ele continua ali, subjacente, dormente, e de vez em quando dá sinais de vida. Que são reconhecidos com um " Pqp, você, aqui, ainda? Já era pra você estar bem longe de mim."

E eis que um belo dia, que nem precisa ser belo de verdade, pode ser até um dia cinzento, chuvoso, em que você se olha no espelho e nem se sente assim bonita, em que você nota que sua cara já traduz a sua idade. Pois bem, até mesmo nesse dia, você se dá conta de que aquele amor, aquele que quando se foi você pensou que fosse morrer (não, você não pensou isso porque você já sabia que havia perdido muitos outros amores e que não morreu, felizmente, nenhuma vez), mas de qualquer forma, aquele amor que arrancou muitas lágrimas, uivos e gemidos, finalmente se foi. E não porque apareceu outro pra substitui-lo, mas porque ele apagou, definhou e sumiu. Evaporou. Porque não havia sido alimentado e porque esse é o destino dos amores que não são mais alimentados.

Ufa! Que bom!

domingo, março 4

As noites de domingo

(desenho de Miguel Madeira)

Eu não gosto das noites de domingo. Os domingos, de modo geral, são os dias mais melancólicos para mim. À noite parece que esse sentimento se agrava. É como se as noites de domingo fossem mais escuras do que as outras.

O silêncio e o vazio das ruas, durante o dia, me tocam de uma forma dolorosa. As tardes se parecem com as cidadezinhas pequenas, pacatas, sem movimento. Eu gosto das cidadezinhas pequenas apenas de passagem. Não para moradia. Se as tardes já se revestem de melancolia, o que as noites vão nos reservar?

As noites de domingo se parecem com despedidas. É quando os estudantes se despedem da casa dos pais para pegar o ônibus e partir para outros lugares. Os lugares onde eles já não são mais filhos. É quando os namorados se abraçam e se beijam, já com saudades, porque cada um sabe que tem que se preparar para cuidar de seus afazeres.

As noites de domingo são o prenúncio da separação. Da retomada da rotina longe de quem se ama. Do retorno à vida produtiva. De dias corridos em busca da sobrevivência.

Nas noites de domingo, é hora de ativar o despertador do relógio. Porque na segunda o sol nasce mais cedo do que nas manhãs de domingo. As manhãs da segunda são aguardadas ansiosamente, porque aí se sabe, se tem certeza, de que o domingo finalmente findou-se. E então já não há mais domingo, já não há mais melancolia, só há a esperança de que os dias corram, cada vez mais rápido, para mais uma vez se nascer e morrer.