segunda-feira, dezembro 8

Os homens e o pudim de Leite Moça

Os homens que não gostam muito de comer doces geralmente acabam fazendo uma exceção quando a sobremesa é pudim de leite condensado. Pelo menos é o que se nota nas mesas de sobremesa em restaurantes self-service. Essa minha teoria vale para os homens com mais de 40 anos. O cara quase nunca tem vontade de comer doce, mas quando vê o tal pudim, ele nem vacila. É nessa travessa que ele vai meter a colher (Já reparou que só a mãe da gente fala travessa?).

Falando em mãe, aí está a explicação por tal preferência. Os caras não resistem porque o pudim de leite Moça os remete à sobremesa preferida na infância, feita carinhosamente pelas mães aos domingos.

As mães também faziam doce de abóbora, arroz doce e outros doces caseiros, mas o pudim de leite condensado, não sei, justamente por ter como ingrediente principal um produto industrializado acaba funcionando como um marco que inaugura a era das sobremesas com produtos industrializados.

Por isso, os rapazes mais novos não têm essa quedinha por pudim de Leite Moça. O leite condensado já era carne de vaca quando eles eram crianças. Quase toda sobremesa hoje leva leite condensado. Eu, por exemplo, nunca fiz um pudim de Leite Moça e meu filho não vê a menor graça nesse doce.

A minha avó materna, que me presenteava todo aniversário com um vidro de doce de leite maravilhoso feito por ela, toda vez que se deparava com uma receita que levava leite condensado dizia: “Bem, com leite condensado todo doce fica bom...”. Ela dizia isso como se esse ingrediente desse um toque mágico a qualquer doce. Ou seja, nem precisava ser boa cozinheira para fazer um doce gostoso se na receita estava incluso o leite da latinha.

Os homens e a moda


Eu gosto de homens desapegados à moda. Aqueles que se vestem de maneira casual, com bom gosto, mas sem muita frescura. E eu tenho uma grande admiração quando eles abrem as portas de seus armários e, ao se depararem com meia dúzia de camisas, nunca reclamam. Eles olham uma a uma, como se tivessem muitas alternativas a escolher. E mesmo que haja apenas duas camisas, eles ainda se detêm um pouco e fazem a opção, satisfeitos. Bem diferente de nós que, diante de uma quantidade infinitamente maior de roupas, lamentamos todas as manhãs: Ai, não tenho uma roupa pra vestir... E minha admiração por eles aumenta ainda mais quando vestimos aquele vestidinho já bem manjado e eles perguntam: Roupa nova? Eu namorei um cara que não sabia a diferença entre saia e vestido. E meu filho, bem pequeno, uma vez me disse: - Mãe, você está bonita com essa saia, esse sapato e essa perna no meio...

quarta-feira, dezembro 3

Homens e Mulheres2

Casal Neuras, do Glauco, na edição de hoje da Folha de S. Paulo

Homens e Mulheres

Qual a diferença entre o homem e a mulher? Esta é a pergunta-guia do documentário "Nem gravata. Nem honra", de Marcelo Masagão. Os personagens são moradores da pequena cidade de Cunha, na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro, que vão desfiando suas opiniões sobre o tema.

Masagão obtém depoimentos muito interessantes. Eu ri muito quando uma espevitada garota compara os homens a um cão pit-bull e fala da dificuldade dos homens de manifestarem suas emoções.

É curioso que o documentário apresente duas cabeleireiras com pensamentos tão distintos. Uma defende que as mulheres têm que ser dissimuladas - que é uma característica feminina, segundo ela - e deixar que os homens acreditem que são poderosos. E a outra refere-se provavelmente a uma relação do passado em que ela percebia que o homem se sentia melhor quando ela se apresentava frágil. "Mas eu não sou fraca. Eu sou forte. E não podia disfarçar isso" - ela diz algo assim.

O delegado da cidade diz que 100% dos crimes que acontecem em Cunha são cometidos por homens. E um preso reflete: "A honra atrai três tipos de coisa: hospital, cadeia e cemitério". O que nos faz pensar na rigidez masculina (epa!) em não recuar em suas posições em nome da honra, mesmo que isso lhe custe talvez a saúde, a liberdade ou a vida!

E eu fico pensando como homens devem sofrer para manter às vezes posições ou falas ditas num impulso e que depois, com a cabeça mais fresca, poderiam ser revistas. No entanto, em nome da honra isso não é possível.

Será que as mulheres são mais livres nesse sentido? Havia uma rigidez maior no papel esperado das mulheres no passado e isso está mudando. Na época em que à mulher só era permitido ser mãe e dona-de-casa quantas enlouqueceram ou então morreram de depressão por ter que desempenhar um papel que não desejavam. Me faz lembrar do filme "As Horas".

E este último filme do Woody Allen ("Vicky Cristina barcelona") também mostra os conflitos que povoam nossas mentes femininas diante de tantas escolhas possíveis. Parece que vivemos num eterno conflito. Num momento queremos ser livres, leves e soltas, sem que ninguém nos diga o que fazer. Em outro, queremos um homem do nosso lado para nos acompanhar em tudo. Enquanto trabalhos o dia todo, estamos também com a cabeça nas crianças que ficaram na escola e no cardápio do almoço.

Os homens (adoráveis!) conseguem compartimentar melhor as coisas. Ou melhor, eles só conseguem pensar numa coisa de cada vez. E, nós, realmente somos incompreensíveis e fascinantes.

quinta-feira, outubro 23

Um cafezinho


Sou tomadora de café e leitora assídua do site da BBC, mas agora estou ficando confusa. Em agosto de 2007, o site anunciou um estudo que afirma que a cafeína pode atrasar a deterioração mental em idosas. Segundo a matéria, o resultado da pesquisa foi melhor em mulheres que bebiam mais de três xícaras por dia. Diz o site: "O estudo, publicado na revista Neurology, levanta a possibilidade de que a cafeína pode até proteger contra o desenvolvimento de demência". Fiquei feliz com a notícia.

Em abril de 2008, fiquei ainda mais contente porque a BBC publicou texto sobre outro estudo, agora divulgado na revista científica Journal of Neuroinflammation, que dizia que a cafeína pode proteger o cérebro contra os danos causados por dietas ricas em colesterol e prevenir doenças como o mal de Alzheimer

Mas eis que a BBC noticiou hoje (23/10) uma pesquisa suíça, publicada na revista científica British Journal of Câncer, que sugere que o consumo de café em excesso pode provocar uma diminuição no tamanho dos seios de algumas mulheres. Essa diminuição ocorreria por conta de uma variação genética que atinge cerca 50% das mulheres e apenas entre aquelas que tomam três ou mais xícaras de café por dia e não usam pílulas anticoncepcionais.

Minha dúvida agora é escolher entre morrer demente ou de seios reduzidos...

domingo, outubro 12

Eleições



Os eleitores do belinati, de cujos princípios eu desconfio, vão me fazer agir contra um dos meus princípios: o de não votar no psdb.

* * *

O bom de ter um pai é que, quando você conta alguma dificuldade que está tendo em relação a seu filho, ele tem experiência suficiente (pelo menos multiplicada por sete, no caso do meu pai) pra te dizer que é só ter paciência que essa fase passa...

Vida de repórter 2


Eu não quero dar busca no google para saber com exatidão quando isso aconteceu. Eu era repórter de Economia, mas estava fazendo pauta para a editoria de Cidades – não lembro se foi numa época em que a Folha de Londrina inventou que os repórteres teriam que fazer rodízio entre as editorias – uma dessas idéias de jerico que não deram certo e tudo voltou como dantes.

Só sei que eu tinha que cobrir uma reunião de moradores com um juiz que analisava o caso da licitação para concessão do serviço de transporte coletivo na cidade. O prefeito (nem lembro quem era) queria renovar a concessão com a TCGL sem abrir licitação e a polêmica era grande. O tal juiz recebeu os moradores que reclamavam dos serviços da TCGL. Eram moradores simples. E o juiz começou a tratá-los com uma certa arrogância.

Lembro que se alguém falasse: “Ah, o meu ônibus está sempre lotado!”, o juiz interrompia e corrigia: “Ah, o ônibus é seu? Você então tem um ônibus?” Qualquer deslize na fala dos moradores era corrigido pelo juiz. Se alguém mais afoito cortasse a fala do juiz, ele chamava a atenção; no entanto, o próprio juiz interrompia a fala dos moradores. A um dado momento o juiz atendeu o telefone celular no meio da reunião. E eu ali, incomodada.

De repente, o magistrado pegou aquele objeto que abre carta e começou a limpar as unhas. Aí eu não agüentei. Fiz sinal para o fotógrafo – acho que era o Marinho – flagrar aquele momento. Saí da reunião indignada. Cheguei à redação e contei para o Rogério, que era o editor de Cidades, o que tinha acontecido. E ele disse para eu fazer um box com esse relato.

No dia seguinte, o jornal estampava uma foto enorme do juiz fazendo aquele gesto, de limpar as unhas, e com uma cara de enfado. E o meu box tinha o título: “Os maus modos do senhor juiz”, com a minha história.

Eu não sei se foi em função da matéria, mas alguns dias depois o juiz deixou o caso alegando se sentir impedido de continuar. Ele nunca reclamou da matéria, até porque tudo aconteceu na presença de muitas testemunhas. E eu nem guardei a página...

quarta-feira, outubro 1

Vida de repórter

Eu e o Rogério Fischer somos amigos há mais de 20 anos, desde quando entramos juntos no curso de Jornalismo da UEL. Depois trabalhamos na Folha de Londrina na mesma época. Esses dias ele disse que não se lembra de mim na Folha. Acho que é a idade (dele). Então comecei a contar umas histórias para ver se rememorava a memória dele. E extrapolei para outras, em outros jornais. Aí ele disse: "Por que você não publica isso no seu blog, já que você nunca atualiza aquela joça?"

Então, eu resolvi contar uma história que aconteceu nos idos de 1988, quando eu já estava no meu segundo emprego de jornalista, num jornal diário do Oeste Paulista. Vou omitir nomes. Um dia, antes de sair do jornal para cumprir minha pauta, que era a cobertura de um evento não me lembro sobre-o-quê, o editor disse que eu provavelmente encontraria no local o presidente da Câmara Municipal. Era para eu cobrar do cara o balanço da gestão dele na presidência da Câmara. O editor contou que já estava pedindo isso fazia algum tempo e essa seria a última cobrança. Se mais uma vez ele negasse, o jornal iria publicar a matéria dizendo que o vereador não prestava contas.

Eu era recém-chegada à cidade, ao jornal e à profissão. Encontrei o tal vereador, que era dentista, e cobrei o balanço. Ele disse que não tinha. E saiu de perto. Em vez de eu ficar caladinha, imprudentemente, fiz um comentário em voz alta: “Ah, mas a matéria vai sair mesmo assim...” E voltei lá para o evento.

Estava sentadinha ouvindo e anotando as falas, quando senti um cutucão nos ombros. Era o presidente da Câmara que pedia para eu me levantar. Fui atrás dele e ele me passou uma descompostura. Enquanto ele falava, num tom áspero, eu fui ficando vermelha de vergonha. Fiquei muito envergonhada por ter feito um comentário inapropriado. E minha pressão foi caindo, caindo, até que eu desmaiei. Na frente dele. O homem ficou apavorado. Me socorreu. E ainda me levou de carro ao jornal. Mais tarde, ligou lá para saber se eu estava bem.

Tive que agüentar a tiração de sarro na redação. E toda vez que eu saía para cumprir uma pauta, era obrigada a ouvir do editor: – Não vá desmaiar, hein?

terça-feira, setembro 9

O Sol de Londrina


Foto "Amanhecer em Londrina" do meu amigo Pedro Wagner

Quando vejo esse fogo que inunda o céu logo cedo me lembro do vermelho que incendeia a terra de Londrina.
Me pergunto se é o mesmo vermelho que tinge a terra e o céu.
Imagino os pioneiros, nos dias em que não aparecia a bola de fogo, a amarrarem correntes de ferro nas rodas dos carros para se movimentarem nas ruas enlameadas.
Logo que cheguei aqui, sandálias nos pés, as ruas já calçadas, eu me incomodava com aquele pó vermelho. Não queria essa terra a me fertilizar os pés.
Lembro que, toda vez que entrava em casa, ia correndo lavá-los.
Com o tempo, acostumei-me com essa vermelhidão.

Lembro que quando voltava à casa da minha mãe, mala cheia de roupa suja, ela dizia que estava tudo encardido. E havia ainda um estudante de medicina que, ao chegar em São Paulo para fazer residência, percebeu que as suas roupas não eram tão brancas como ele pensava...

Será o mesmo vermelho da terra e do Sol?

Eu ainda prefiro o Sol escaldante ao ar gelado. Muitas vezes, fugindo do frio, eu e Marília nos sentávamos sob o Sol e desfiávamos nossas lamentações, talvez querendo aquecer também nosso coração.

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Ciúmes tardio

Sonhei outra noite com um ex-namorado. No sonho, ele também era meu ex-namorado. Do que eu me lembro, a conversa era sobre meus ciúmes. Aí eu lhe disse:
– Mas como é que eu poderia saber se quando você dizia Carina você estava dizendo mesmo Carina ou se dizia Karina...
E ele respondeu:
– É, aí fica realmente difícil te convencer...

segunda-feira, setembro 8

Cadê o Estado mínimo?

Manchete da Folha de S.Paulo de hoje (8/9): "O governo dos Estados Unidos anunciou um pacote de salvamento de até US$ 200 bilhões para as duas empresas que dominam o setor de crédito imobiliário do país, a Fannie Mae e a Freddie Mac". Quem dá a notícia é o repórter Fernando Rodrigues, enviado especial a N.York. Outros trechos: "Essa operação de resgate deve ser a maior da história dos EUA. (...) Ainda não está claro o custo final, para os contribuintes, do salvamento (...)."
(...)
"O jornal 'The New York Times' publicou reportagem afirmando que as empresas maquiaram seus balanços inflando artificialmente o valor de reservas que teriam para cobrir perdas por inadimplência. Essa contabilidade problemática acabou sendo um dos fatores principais para que o governo federal decidisse intervir de uma vez para evitar uma crise generalizada no mercado (...)"

Pergunto eu: - Essas empresas não são as maiores defensoras do Estado mínimo? Na hora do vamos ver, quem tem que socorrer é o Estado... Cadê os liberais para condenar essa ação?

Num artigo na página 4 do caderno Dinheiro, no mesmo jornal, o jornalista Vinicius Torres Freire afirma que, com essa ação, "o governo americano tem agora 80% das ações preferenciais das duas maiores empresas do ramo, botou para fora seus diretores, nomeou os novos, cancelou os dividendos dos acionistas e, divertidíssimo, as proibiu de fazer lobby no Congresso. Qual o nome disso? Se fosse na Venezuela, seria estatização, certo?" - pergunta o jornalista.

Por que, em grande escala (em grande, não, né, em imensa escala), o governo pode socorrer as grandes para não criar uma crise no mercado? Por que, no varejo, o governo não pode criar programas de educação, de saneamento, de habitação, voltados para os pequenos (numa escalinha assim bem pequena...), se a sobrevivência deles ou o acesso a bens básicos de saúde depende disso?

terça-feira, setembro 2

A letra B


Fonte: http://brasil.indymedia.org/images/2005/02/307685.jpg


Tem dias que é melhor ficar com o crachá pendurado no pescoço para não ter dúvidas sobre quem eu sou.

* * * * * *

Do meu filho, após ouvir que a tevê ia interromper a programação para entrar o Horário Eleitoral Gratuito:
- Ah, gratuito!! Era só o que faltava: a gente ter que pagar para assistir horário eleitoral...

* * * * * *
A letra B

Faz pelo menos cinco meses que a letra b do meu teclado não funciona.

Assim que ligo meu computador, trato logo de entrar no www.gmail.com e buscar qualquer e-mail de amigos. O bom é que sempre me mandam beijos. Vou atrás desse beijo para dar um Control C na letra b. E então posso começar a escrever. Quando preciso de um b maiúsculo, eu escrevo brasil para que o corretor transforme o b em B. Pronto. Tenho o B.

Logo que o teclado ficou manco de b, veio um rapaz da Sercomtel fazer um serviço para aumentar a velocidade da banda larga. Meu filho o atendeu. Por coincidência, o mouse andava às cegas. Foi difícil para o rapaz usar o mouse. Quando ele foi testar se o serviço estava funcionando, no momento de digitar o endereço da Sercomtel, o b falhou. Aí meu filho mostrou que era só fazer um Control C Control V. O rapaz perguntou: Você faz isso toda vez? E riu.

Agora meu filho tem computador novo. Eu continuo com o meu teclado manquitola.

Tenho este teclado há 11 anos. Do pacote que veio junto, já fiz dois up-grades, troquei monitor, impressora. Mouse, já perdi a conta de quantos foram. O único inteirinho era o teclado. Ergonômico. Robusto. Criei um certo apego.

Em toda loja que entro, não encontro nada parecido. Resolvi comprar um novo pela internet. O mesmo Correio que o trouxe, o levou de volta. Fiquei decepcionada quando abri o pacote. Os ícones nas teclas pareciam carimbos mal-feitos. Devolvi.

E faz mais de um mês comprei um bem baratinho – daqueles flexíveis. Pensei em ficar com ele enquanto não acho o teclado dos meus sonhos. Mas não tenho vontade de fazer a troca. O novo está lá empacotadinho (ele vem enrolado feito rocambole) e o meu, manquitolinha, continua aqui. Pelo menos todos os bês que mando têm origem em beijos...

sexta-feira, agosto 29

A vida é desconfortável

Na barriga da mãe, a vida é muito boa, quentinha e confortável (não que eu me lembre, mas é o que dizem). Depois, quando a gente já tem idade pra fazer escolhas, nem sempre é possível se pautar pelo conforto. Nem sempre, é exagero. Quase nunca. Será que o conforto está em nossa memória dos tempos da barriga materna? E a gente vive uma busca constante pelo retorno ao quentinho? Diante de apenas duas opções, pode ser que nenhuma escolha traga conforto. E não dá pra fingir de morto.

Quando você está apaixonada acorda feliz e sorri sozinha ao pensar no ser amado. Aliás, seja lá o que tiver que fazer parece que tudo é leve. E ao se encontrar com o ser amado, então, é só alegria. É toda risinhos. Mas quando se está longe, é uma catástrofe. Ou quando é uma paixão incorrespondida ou inviável, daria tudo para não ter aquele sentimento. Aí, em vez de te impulsionar, a paixão te derruba. Eu quero minha mãe!

domingo, julho 20

Unhas vermelhas


Foto: Nícolas Paccola Rezende

Ao contrário dos outros bebês, ele reconhecia a sua mãe pelas unhas pintadas de vermelho. Enquanto os outros se acalmavam ao sentir o cheiro da mãe, ele se sentia reconfortado quando via as unhas vermelhas.

Essa sensação sempre o acompanhou. Adorava ir com a mãe à manicure e ficava maravilhado diante de tantos tons de vermelho nos vidrinhos transparentes de esmalte. Na escola, gostava mais das professoras que tinham as unhas pintadas de vermelho.

Não conseguia disfarçar o fascínio que sentia pelas mulheres que tinham sangue nas unhas. Todas as que namorou tinham isso em comum. Mas na hora de escolher uma para se casar, surpreendeu todos: Casou-se com uma manicure que não pintava as próprias unhas. Ela era dona de um salãozinho de beleza do bairro. Foram morar nos fundos do salão.

A mãe dele era quem mais estranhava a nora, que tinha as unhas bem feitas, mas incolores. E ele demonstrava sempre uma grande paixão pela mulher. Assim que terminava o expediente, voltava logo para casa.

A mulher, quando o via, dispensava as últimas clientes. Então podia se dedicar ao seu cliente mais especial: era com muito esmero que ela, à noite, esmaltava de vermelho as unhas do marido. E com mais atenção ainda, na manhã seguinte, limpava com acetona todos os cantinhos da unha para não deixar nenhum vestígio da cor de sangue. Ambos esperam ansiosamente a noite seguinte para repetir o ritual.

sexta-feira, junho 13

"Quem disse que só se morre uma vez?"

Morreu, no final de maio, Austregésilo Carrano, autor do livro Canto dos Malditos, que inspirou o filme Bicho de 7 Cabeças, de Laís Bodansky. Quando assisti ao filme, fiquei com a sensação de ter levado um soco no estômago. Aos 17 anos, Carrano foi internado pelo pai num hospital psiquiátrico. O pai havia descoberto que o filho fumava maconha. Carrano recebeu eletrochoques e muita medicação. Até os 20 anos passou por várias instituições psquiátricas. Essa terrível experiência marcou para sempre a vida de Carrano.

Ele tentava na Justiça receber reparação pelos danos sofridos. Mas, em 2002, a Justiça proibiu a venda de seu livro, a pedido da família de um médico psiquiatra (um dos responsáveis pela clínica onde o autor foi internado e sofreu maus tratos).

Logo depois, num evento em Londrina contra a luta antimanicomial, entrevistei Carrano e comprei o livro proibido. Ele era um homem muito bonito. Ficou com seqüelas físicas e emocionais. Li o livro anos depois. O relato é chocante. Carrano morreu de câncer aos 51 anos.

O livro foi liberado em 2004. Abaixo reproduzo trechos de um poema escrito por ele, que está nas primeiras páginas.

Seqüelas... e ... seqüelas

Austregésilo Carrano

Seqüelas não acabam com o tempo. Amenizam.

Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim. Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro.

(...)

Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original. É ser condenado à morte várias vezes.

Quem disse que só se morre uma vez?

(...)

A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na abertura da porta, rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado, tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado... escuto parte do meu gemido.

Quem disse que só se morre uma vez?

(Poema das 4 horas de espera para ser eletrocutado... – aplicação da eletroconvulsoterapia)

segunda-feira, junho 2

Três dias. E adeus, cigarro*

Rogério Fischer
Jornalista de O Diário


Até hoje – três anos e meio depois de eu ter largado o dito cujo – os amigos me alugam: “Pô, se você, que comia com farinha, conseguiu parar, qualquer um consegue”. Há tempos estava com a idéia de parar. Idéia, não; necessidade. A qualidade de sono havia caído sensivelmente. Sentia, na cama, que o ar ia faltar. Estático, presumivelmente relaxado, respirava fundo e, mesmo assim, parece que o peito não enchia. Às vezes, acordava abruptamente, assustado, sem que fosse pesadelo. Só podia, então, ser ele, o cigarro, conjugado com estresse.

O fato é que levei uma sorte danada. Deve ter sido reza de mãe, sei lá, essas coisas que Deus deve respeitar mais que outras. Estávamos em casa, eu e dois colegas de república, também jornalistas d'O Diário, fazendo o que nove em cada dez jornalistas fazem quando saem do trabalho: bebendo e discutindo o jornal.

Lá pelas tantas, alguém foi buscar algo para comer. Como já era de madrugada, voltou apenas com uma daquelas caixinhas de bombons, comprada em conveniência de posto. Esfomeados, devoramos os chocolates, junto com o que restava de cerveja e pinga.

Resultado: na manhã seguinte, parecia que uma ninhada de gatos havia passado a madrugada brincando na garganta. Naquele dia, não consegui fumar. E olha que, para mim, isso nunca foi problema. Aos vinte e poucos anos de idade, lembro que, ao sair da Santa Casa da minha cidade, onde acabara de ter constatado um princípio de pneumonia, a primeira coisa que fiz foi acender um cigarro, como se nada tivesse acontecido.

Tirando o sono nosso de cada dia e algumas transas que valiam a pena, eu dificilmente ficava mais de 15 minutos sem fumar. Mas, naquele dia, com a garganta em frangalhos, simplesmente não consegui. Acordei no outro dia e decidi que, naquela manhã, pelo menos, não fumaria, para não castigar a garganta logo cedo. À tarde, segurei também. À noite, em vez de cair na farra, fui pra cama cedo.

No terceiro dia, no final da manhã, já no trabalho, pensei: “Ué, ainda não fumei”. Daí me toquei que a abstinência daquele curto período não havia me feito tanta falta como poderia supor. Imaginava que, se tivesse que ficar um tempo sem fumar, por qualquer motivo, subiria pelas paredes. Mas não. Estava surpreendentemente tranqüilo. Tomei, então, a decisão: não ia mais fumar. Estava com 39 anos e havia fumado, desregradamente, exatos dois terços da minha vida. E, de lá para cá, nunca mais fumei mesmo.

As pessoas ainda ficam constrangidas em fumar perto de mim. Logo as tranqüilizo. Podem fumar à vontade. Não me importo nem um pouquinho. Até curto uma fumacinha próxima. Hoje, na Redação, brinco com os amigos, tiro cigarro deles, levo ao nariz, digo “ah, trem bão!” e devolvo ao maço.

Nem vou falar no que melhorou, porque, tenham certeza, tudo, mas tudo mesmo, melhora muito.

Quando me perguntam, como se eu fosse um expert no assunto, o segredo de eu ter largado o cigarro, me limito a relatar minha experiência, mas sempre reforço, com convicção, que a pessoa tem de ficar três dias sem fumar. Ela vai sentir um bem-estar tão grande que os caminhos vão ficar muito claros: se não fumar, esse bem-estar vai ficar ainda melhor; se fumar, retornará àquela vidinha de antes – a de tosses, pigarros, quase nenhum fôlego, baixa potência sexual, etc, etc, etc.

Aí, meu irmão, a escolha é sua.

* Texto publicado originalmente no jornal O Diário, de Maringá, do meu amigo jornalista Rogério Fischer


terça-feira, maio 27

Uma voz dissonante

Em agosto de 2004, participei em Brasília de um seminário sobre Mìdia e Drogas, que debatia de que forma o tema drogas é abordado pela mídia. Um dos palestrantes era o senador Jéfferson Perez, que morreu sexta passada. Eu nunca tinha prestado atenção nele. E gostei muito. Tanto que, depois, passei a me interessar pela opinião dele sobre qualquer assunto. Sempre que ele era fonte de alguma matéria, eu lia para ver o que ele pensava.

Naquele encontro, ele posicionou-se favorável à liberação do uso de drogas – não sem antes deixar claro que não fazia uso de nenhum tipo de droga ilícita. Eu achei engraçada a preocupação dele. Afinal, seria mais difícil ele convencer alguém de que era usuário de drogas. Digo isso com base no estereótipo de que alguém, com um visual tão conservador, não consumiria drogas.

Ele fez ponderações importantes. Disse que não acredita que a liberação faria aumentar o número de usuários de drogas. Deu como exemplo o consumo de bebidas alcoólicas. Embora seja liberado, a grande maioria dos brasileiros não bebe nem é dependente de álcool. Por outro lado, quem usa drogas não deixa de usar porque é proibido. Se assim fosse, não haveria o narcotráfico.

Para ele, há uma ligação direta entre a proibição e a violência. O narcotráfico só existe porque há proibição.

No entanto, ele defendia que a legalização no Brasil deveria ocorrer junto com outros países, em escala universal. “Se todos os países legalizassem as drogas, eles poupariam o dinheiro que gastam na repressão sem êxito. Reduziriam a corrupção que o narcotráfico promove. A polícia, o poder judiciário, o meio político, o sistema penitenciário, tudo é corrompido pelo narcotráfico. Com a legalização, a briga entre quadrilhas, a ‘queima’ de arquivos, a corrupção com o aparato estatal e a violência de modo geral, diminuiriam. E ainda poderia se cobrar um imposto sobre a produção de drogas que seria revertido no tratamento a dependentes químicos e em campanhas educativas, embora eu não acredite nelas.” Essa citação eu peguei numa entrevista, de 2003, dada a Karine Muller, no site Baseado em Fatos.

E ele falou também que o Estado não tem o direito de reprimir quem queira consumir drogas. Naquele encontro, o senador fez suas colocações com tanta clareza e seriedade que virei sua fã. Lamentei a sua morte. Era um político íntegro, sério e comprometido, embora fosse de um partido que não me inspira o menor respeito. Ele era maior que o partido. E me faz pensar mais uma vez na importância de que nossas ações sejam coerentes com nossos princípios. Isso nos permite ser livres.

quinta-feira, abril 17

De novo, o futebol


Ilustração do design gráfico Paulo Jales (http://paulojales.wordpress.com)

Os homens sempre reclamam que é difícil entender as mulheres. Pois eu digo que difícil mesmo é entender de futebol. E acho até que eles não nos entendem porque gastam seus neurônios para entender as peripécias da bola, dos pés e a confusão dos campeonatos.

De vez em quando eu peço alguma informação para o meu filho sobre o Palmeiras, sobre o seu desempenho no campeonato para eu não ser assim tão ignorante sobre o meu time. Mas ele já desistiu e disse que não vai falar mais nada.

A queixa dele é que como eu não entendo nada não adianta passar informação. Porque aí fica uma explicação sem fim, e ele se cansa.

Hoje a confusão foi sobre os campeonatos. Na hora do almoço, ele falou que não sabia o resultado do jogo do Corinthians de ontem porque foi dormir cedo. E que até um amigo dele que é corintiano também não sabia.

Então, a entendida aqui tascou:
- Nossa, coitado do Corinthians, só porque está na segunda divisão ninguém nem acompanha mais os resultados...

Meu filho explicou que o jogo de ontem não tinha nada a ver com a segunda divisão.

Aí eu, que sei que o Palmeiras está na final do Paulistão e que vai ganhar domingo contra o São Paulo, fui além:
- Ah, ontem foi jogo do Paulistão, né?

Ele se desespera:
- Ai, mãe, nada a ver. É Copa do Brasil!

- Ah, e Copa do Brasil não tem segunda divisão?

- Não, mãe.

- Então, até o time do Londrina pode participar?

- Vai depender do resultado do campeonato estadual. Depende da classificação no campeonato...

- Ué, mas o campeonato paulista nem acabou, como é que já começou a Copa do Brasil?

- Mãe, é com o resultado do ano passado!

Ou seja, definitivamente é difícil de entender porque eles fazem tantos campeonatos desse jeito. Para facilitar a compreensão das mulheres, eles deviam fazer um único apenas.

Imagino que eles fazem vários porque querem ver jogos o ano inteiro. Então, um único campeonato começaria em janeiro e o resultado só sairia em dezembro. E todo mundo jogaria com todo mundo, quantas vezes eles achassem necessário.

Assim, quando a gente quisesse uma informação sobre o resultado de um jogo saberia sempre que se trata de um único campeonato. Porque no fundo eu só quero saber se o Palmeiras ganhou, perdeu ou se está na frente.

terça-feira, abril 15

A Espiã e A Vida dos Outros

No último mês, assisti a dois filmes que me fizeram pensar sobre o indivíduo e suas ações dentro do coletivo.

Vi os dois no cinema (aqui em Londrina, tudo vem com atraso), mas já deve ter em dvd. Primeiro, A Espiã, do diretor holandês Paul Verhoeven. A história se passa na Segunda Guerra Mundial. Depois de sobreviver a um ataque de uma patrulha alemã, que matou toda sua família, uma cantora judia se junta a um grupo da Resistência. Para se infiltrar na Gestapo, atrás de informações, acaba se envolvendo com um oficial alemão (Ele é lindo. Não é um alemão loiro. E eu prefiro os morenos). O ator é Sebastian Koch.

Pois bem. O tal do alemão age de forma ética, dentro do possível. É claro que o filme não mostra o currículo que o credenciou a ocupar o seu posto. E como ele e a mocinha passam a se amar de verdade, é inevitável não torcer para que os dois fiquem juntos. Eu até fiquei achando que o filme é marmelada porque como é que pode um nazista ser “do bem”?

Depois, vi A vida dos outros, produção alemã que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007. É um retrato de um tempo mais recente. Década de 1980. Alemanha Oriental. Agora, os vilões são os comunistas.

Um agente do serviço secreto alemão passa a vigiar a casa de um dramaturgo para saber se ele é um traidor das idéias do regime. Há escutas por toda a casa, onde ele vive com a companheira, uma atriz de teatro. (Não é que o dramaturgo é o mesmo lindo Sebastian Koch?)

O agente secreto é um solitário. Sua vida é servir o governo, o que ele faz com muita eficiência.No entanto, ao acompanhar a vida do casal, acaba se comovendo com a história dos dois. Ele é testemunha do romance e também da corrupção dos dirigentes comunistas. A uma certa altura, passa a proteger o casal. Eu não vou contar o fim do filme.

A Vida dos Outros é muito superior ao filme A Espiã. É mais sensível. Os dois mostram indivíduos inseridos em governos autoritários, e a serviço desses regimes, mas em determinado ponto agem de acordo com suas consciências.

Nenhum dos dois personagens é herói, até porque nas duas histórias está próxima a derrocada tanto do Nazismo como do comunismo alemão.

Então não é possível saber de que forma se daria um rompimento deles com os sistemas que passam a condenar. De qualquer forma as histórias me fizeram pensar sobre as nossas atitudes cotidianas e a capacidade do ser humano de fazer a diferença em seus atos individuais, esteja onde estiver.

sábado, março 15

Viva 2008!


As notícias de deportações - ou seja lá que nome dão à proibição de estrangeiros circularem livremente - principalmente de brasileiros no aeroporto de Madri mostram que ainda estamos longe de exercer o direito de ir e vir no mundo. As fronteiras deveriam ser liberadas no mundo todo. Ora, cada um que vá aonde quiser e pelo motivo que quiser. Sem ter que ficar dando satisfação de sua vida.

É um absurdo que ao chegar num local alguém tenha que dizer a que veio (ou foi, né), se tem dinheiro, e onde vai ficar. E se eu quiser circular sem dinheiro por aí e ficar sem dormir, vagando de bar em bar, apenas porque quero?

Quando a pauta é o mercado, aí não pode ter fronteiras, nem regras muito rígidas, nem proteção aos produtos nacionais. Agora, se eu quiser baixar por lá, muda a conversa. Eu tenho que ter cartão de crédito, dinheiro, hospedagem já paga, endereço certo e uma carinha muito lindinha. E tenho que explicar direitinho o que eu pretendo fazer lá.

O tratamento de reciprocidade que os espanhóis começam a receber nos aeroportos brasileiros nos faz sentir um pouco melhor. Afinal, se eles nos humilham por lá, vamos humilhá-los por aqui - embora o tratamento por aqui seja bem melhor, os caras embarcam de volta apenas algumas horas depois que chegaram.

O governo brasileiro até conseguiu colocar essa questão na agenda dos espanhóis. Um acordo entre os dois países deverá amenizar por ora esta crise. Mas continuará em vigor a política européia de que nós só podemos entrar lá se faltar mão-de-obra para os serviços que eles não querem fazer. Se não, au revoir.