quinta-feira, março 31

Cotidiano

Acordou sobressaltada no meio da noite porque havia se esquecido de deixar o feijão de molho. Teria que começar a fazer almoço durante o café da manhã, antes de sair para o trabalho. E não poderia nem pensar em chegar atrasada. Ainda teria que estar impecavelmente bem vestida porque haveria visita externa à empresa.

Levantou-se rapidamente e emergiu o feijão numa vasilha com água. Voltou também rápido para a cama para não perder o sono.

E pensou em sua mãe. Numa das internações hospitalares, a mãe inconsciente dizia o que era preciso fazer na cozinha: cortar as cebolas em tamanho pequeno, espremer o alho... e por aí ia. Ela tinha vontade de chorar quando lembrava de o quanto a obrigação de fazer comida teria atormentado a sua mãe.

Ao mesmo tempo em que isso lhe vinha à cabeça sabia que tinha que retomar o sono porque o dia seguinte seria comprido. Só conseguiu sossegar a mente quando pensou que a mãe ao menos não tinha a preocupação também de estar impecavelmente bem vestida

quarta-feira, março 30

Falação

Quando eu era criança eu devia falar muito porque minha mãe sempre dizia que eu era tagarela. Com o tempo a gente aprende que quem fala pelos cotovelos pode se esquecer de passar as palavras pelo crivo da mente e também do coração. Já convivi com muita gente que fala bem mais do que eu, e passei a ver que o silêncio realmente vale ouro. Já convivi também com gente maldosa e aprendi que a língua ferina realmente fere. Como já passei da flor da idade, tô achando que o melhor é cada vez mais falar menos.

quinta-feira, março 24

Cabeça de vento

Vejo o vento lá fora. Não abro a janela para não sentir suas lufadas. Sei que está forte por causa do barulho que faz nos vidros e pelas folhas das árvores que balançam sem parar.

O vento também está dentro da minha cabeça. Estou avoada. Ando cambaleante. É o vento dentro de mim, que tira Imagem: http://palavrasdocanto.blogspot.com/2010_05_01_archive.html

meu prumo e bagunça meus pensamentos. Penso que o vento é meu amigo porque me manda descansar: com esse embaralhamento não consigo fazer coisas práticas. Mas depois esse vento vai me derrubar porque tudo se acumula e sou eu mesma que tenho que resolver.

Mantenho o vento externo distante: as janelas continuam fechadas. E não consigo me desfazer do vento de dentro da minha cabeça. Os pensamentos vêm desconexos. Sinto a ressaca sem ter bebido. As ondas vão e vêm. Depois da tempestade vem a bonança, e depois da ventania, vem o quê?