segunda-feira, janeiro 26

Nur na escuridão

Emocionada, encerro a leitura de Nur na escuridão, do escritor catarinense Salim Miguel, que conta a história da família que veio do Líbano para o Brasil, em 1927, quando ele tinha três anos de idade. Nur é luz.

Salim Miguel é escritor premiado, reconhecido como grande pela crítica literária e autor de muitos outros livros. Este foi o primeiro dele que li. Fui fisgada logo nas primeiras linhas. Estava em uma livraria em São Paulo com alguns títulos de Salim Miguel. Tinha que escolher apenas um. Já não me lembro quais eram os outros - que ainda pretendo ler -, mas achei que devia começar com Nur na escuridão talvez porque aqui o escritor nos presenteia com sua origem.

Ele relata a linda história de amor de seus pais e a determinação de partir do Líbano, contrariando toda a família que fica, em busca de uma vida melhor. As dificuldades que enfrentam logo na viagem e durante toda a vida no Brasil me fazem pensar se a partida do Líbano os levou realmente a uma vida melhor. Mas foi o que escolheram. Nunca mais voltaram à terra natal.

Salim Miguel costura muito bem sua narrativa, num vaivém entre passado e presente. A história é apaixonante. Ele mostra como a vida é interessante mesmo nos cafundó. Revela o olhar de um menino atento que descobre personagens trágicos, engraçados, comuns, que talvez existem e não existem em qualquer lugar.

Os detalhes ajudam a compor personagens únicos, pessoas que às vezes nos parecem tão simples e tão comuns. Vai nos apresentando um a um aqueles que compuseram o universo de sua infância, sem fazer nenhum juízo de valor. Vamos descobrindo uma beleza intrínseca a cada um.

Nur na escuridão me fez voltar à minha infância, à convivência com tantos "turcos" que povoam Piraju até hoje. A leitura me fez visualizar a dona Latife, as famílias Cury, Sahyun, Assaf, José. Ah, as esfihas da dona Helena José. Tantos anos de convivência, tantos costumes repartidos e nunca me dei conta de imaginar quantas dificuldades talvez os antepassados dessas famílias passaram em busca de um mundo novo, tão distante no espaço e na cultura. O livro é realmente uma luz, que vai iluminando características de um povo tão presente entre nós.

Os pais de Salim Miguel poderiam ter aportado nos Estados Unidos - o primeiro destino sonhado - e com certeza teriam lá também construído sua família e sua história, mas teriam nos privado de um escritor tão fascinante.

quinta-feira, janeiro 15

As mulheres e os cabelos

Estava cinza a manhã na cidade grande. Desci no primeiro ponto após perceber que havia tomado um ônibus errado. Mas isso não fazia muita diferença porque eu não sabia ao certo que rumo tomar. Na verdade, queria era encontrar um rumo para o meu coração.

Caminhando a esmo, me deu uma vontade súbita de cortar os cabelos. Ignorei o fato de que não fazia ainda uma semana do último corte.

Quem sabe na cidade grande eu encontraria o corte ideal!

Entrei num salãozinho quase vazio. A cabeleireira começou a mexer nos meus fios, enquanto perguntava o que eu queria. Me mostrou aquelas revistas com cortes variados. A fala mansa me acariciava os ouvidos. Logo outra cabeleireira se aproximou e as duas fizeram uma avaliação do meu cabelo. Apontaram para mim duas alternativas.

Eu expliquei que na verdade estava com muita dúvida. Então, a primeira aconselhou: - Na dúvida, é melhor não cortar. E a outra, sábia, emendou: - Enquanto a gente não resolve o que se passa aqui (e apontou o próprio peito), não adianta mexer aqui (mostrou os cabelos). E ela deu exemplo: - Tem cada uma que chega aqui... Outro dia veio uma que havia cortado em casa a própria franja... Às vezes nem dá para arrumar.

Agradeci e saí com os mesmos cabelos com que havia entrado. E me senti um pouco mais confortada.