domingo, janeiro 22

O consumo e o desapego


Sou uma moça bastante controlada no quesito “consumo”. Gosto do conceito “viver com menos, ter apenas o essencial”, mas no dia a dia não é assim tão fácil praticar esta ideia. Embora o dinheiro seja um limite concreto, muitas vezes é possível enlouquecer com roupitchas e sapatos que cabem no orçamento e, no entanto, não são assim tão necessários. Quando resisto a uma compra que seria supérflua, gosto da sensação de não ter sucumbido ao desejo. Mas tem uma coisa que me livra da culpa: os livros. É como se o fato de ser jornalista fosse um salvo-conduto para comprar livros ao meu bel prazer, afinal, se o meu ofício é escrever, posso comprar quantos livros quiser e puder. E a internet é uma grande livraria com entrega rápida. Chegar do trabalho e encontrar na porta uma caixa com livros é bom demais! Todo fim de ano eu costumo tirar todos os livros da estante para limpar um por um, separar os que serão doados e os que serão vendidos em sebo e organizar espaço para os novos. No entanto, desta vez, foram dois anos sem fazer isso e agora percebi que preciso rever minha posição de “livros sem-limites”. Já levei uma mala de livros de comunicação, jornalismo e reportagem para a biblioteca da UEL. Separei alguns para o filho de uma amiga que está estudando Ciências Sociais, para alguns amigos, e duas caixas enormes que vão para o sebo. É muita coisa. E restaram ainda muitos – a maioria eu nem li! É muito livro bom sem nem ter sido sequer folheado. Ou seja, em 2017, não vou comprar nenhum. E estou contente com esta decisão. Também me desfiz de muito papel com artigos e textos acadêmicos. Até fotografias entraram na dança. Estou me desfazendo daquelas desfocadas, feias, que não dizem nada. Estou tendo muito trabalho, mas parece que só depois disto é que meu ano vai começar de fato. E viva o desapego! 

segunda-feira, janeiro 16

À cor da pele

As cores me comovem. Posso passar um bom tempo diante de uma tela admirando as cores, observando as pinceladas e aquela abundância de pigmentos. Não precisa ter uma forma definida. Nenhuma figura. Apenas cor. Não sei por qual canal se processa a minha relação com elas. Assim como uma música pode me imobilizar, tornando-me apenas respiração e sensação, as cores também têm este poder. Me causam maravilhamento.Uma paleta aparentemente tem um número limitado de cores, mas eu sei que elas são infinitas, que entre uma e outra há muitos tons e variações. Elas são indóceis. Talvez nunca se repitam nas mãos de um artista que se deleita em misturá-las e criar novas tonalidades. Quando aprendi sobre Yves Klein, um pintor francês, que criou um azul singular, hoje nomeado de Azul Klein, fiquei pensando como poderia ser isso, existir um azul tão singular. Logo em seguida, pude ver esta tela em exposição na Pinacoteca e fiquei em êxtase. Fiquei ali parada querendo penetrar naquela azul tão especial. Ora, mas não é apenas uma cor azul? Pois então, as cores são assim. Podem me tocar.
Em dezembro, no Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba,  vi pela primeira vez as obras do artista Gonçalo Ivo, na exposição A Pele da Pintura (em exposição até 27 de fevereiro). Telas grandes, com cores tão lindas que me hipnotizaram. Não queria sair dali. Embora a curadoria apresente as obras “como uma superfície, que se confunde com uma pele rugosa, flácida, frágil ou reluzente”, a mim, a pintura que vejo ali não me remete a textura, mas toca a minha pele. Mais adiante leio no material de apresentação que Gonçalo Ivo transmite vida a uma condição imaterial. “Não lhe interessa a cor pela cor, mas a cor como coisa, como algo vivo pulsante, corpóreo”. É isso! Depois, leio ainda que ele é filho do escritor e poeta Lêdo Ivo. Caramba!








domingo, janeiro 8

O último Natal

Este foi o primeiro Natal sem meu pai. A casa em Piraju foi enchendo aos poucos durante a semana anterior. Em vários momentos, eu ficava com a sensação de que meu pai estava lá, em algum cômodo, como nos natais anteriores. Me fez lembrar da sensação que tive na saída do cemitério, após o sepultamento da minha mãe.  No trajeto até a saída, meu pensamento percorria o entorno e me vinha a ideia de que estávamos esquecendo alguém. Na contagem inconsciente que meu cérebro fazia, faltava minha mãe. E eu teria que me acostumar que não seríamos mais completos.

Agora, faltou meu pai. No Natal de 2015, fui para Piraju apenas no dia 24. Na entrada da cidade, no semáforo antes da ponte sobre o Rio Paranapanema, o freio não funcionou e bati no carro da frente. Não foi nada grave, mas fiquei assustada. Quando entrei em casa, estavam meus irmãos, cunhados e meu pai. Contei o que tinha acontecido. Meu irmão disse que levaria meu carro à oficina. Meu pai me deu uma dica: quando o freio não funcionar, dê várias freadinhas rápidas...

Meu carro voltou da oficina no sábado à tarde e, de fato, havia um problema no freio, que agora estava resolvido. Eu voltaria a Londrina no domingo à tarde. De manhã, comentei com meu pai que me sentia um pouco insegura com o freio do carro. Ele perguntou: Quer que eu vá com você dar uma volta? E fomos. Andamos por várias ruas. Subi para a Estação, o bairro que é a minha entrada de Piraju. Mostrei o local onde o freio havia falhado. Conversamos coisas banais. Foi a única vez que dirigi para o meu pai. E foi o último dia em que o vi fora do hospital.

No domingo de Páscoa, depois de complicações de uma cirurgia, o visitei na UTI. Ele estava sedado. Eu, com 50, ele com 81. Foi a primeira vez que pude fazer carinho no seu rosto e no seu cabelo. Ainda pensei: Acho que ele só está deixando porque está sedado...

Sábado, 9 de abril. Peguei um ônibus de Londrina rumo a Jaú, onde ele estava hospitalizado. Minha irmã e eu entramos na UTI no horário da visita da tarde. Meu pai estava consciente, mas com traqueostomia. Não podia falar. Também não conseguia escrever de forma legível. À noite, na casa da minha irmã, em Lençóis Paulista, cidade onde também morava meu pai, fizemos um cartaz com as letras do alfabeto, os números e algumas palavras.

Domingo. 10 de abril. Fomos à visita da noite. Eu pegaria ônibus de volta às 22 horas. Ele estava bem. Conseguiu se comunicar melhor com o cartaz. Reclamou que os enfermeiros eram muito rígidos. Conversou com minha irmã sobre uma viagem ao México. Eu disse que queria ir junto. Ele brincou, olhou pra minha irmã como quem diz: Será que a gente leva? Quis saber o horário do meu ônibus, que horas eu chegaria em Londrina. Quando deu a hora, me despedi. E pude ler nos seus lábios: Boa viagem! Fui embora com o coração partido, mas com alguma esperança de que ele conseguiria se recuperar. Foi o nosso último encontro! Dez dias depois ele se foi.