
Outro dia li
Feras de lugar nenhum, escrito pelo nigeriano Uzodinma Iweal, de 23 anos, que conta a vida de um menino que sofreu os horrores de uma guerra civil num país africano. O garoto perde os pais e a irmã no início da guerra, perde a infância, a escola de que ele tanto gostava e entra numa batalha em que tem que matar para não morrer.
Comprei o livro depois de ler matéria sobre o escritor, que veio ao Brasil participar daquela Festa Literária de Parati (um dos meus sonhos de consumo...). A princípio, pensei que fosse um retrato do que ele havia vivido, uma espécie de reportagem. Depois é que me toquei que era um relato ficcional, obviamente marcado pelo que ele passou.
O livro não se refere a nenhum país específico, mas os fatos podem ter se desenrolado em qualquer país da África, onde o povo tem sofrido o diabo ao longo de sua história. O autor só sobrevive porque foi resgatado por instituições internacionais que o incentivaram a escrever o livro.
Me parece que escrever, para ele, foi um processo de catarse para elaborar melhor os sofrimentos por que passou. Assim que chegou o livro, indiquei para o Nícolas, que não demonstrou nenhum interesse. Então eu li logo. E fiquei pensando que a história é tão pesada que eu gostaria de poupá-lo...
Guiné-BissauNo mesmo fim-de-semana em que li o livro, li uma reportagem no
Estadão de Jonathan Coe, um romancista americano que visita Guiné-Bissau, considerado o quinto país mais pobre do mundo e que está tomado por minas terrestres, granadas e outros armamentos.
Coe faz a visita como curador de uma ONG que trabalha com a retirada das minas em países devastados por guerras. Ele classifica como alarmante o fato de que, enquanto uma mina custa de US$ 3 a US$ 30 para ser fabricada, é preciso desembolsar US$ 1 mil para sua remoção. Sob um sol escaldante, trabalham pessoas para a localização e retirada das minas. Logo ao lado, crianças jogam bola sem imaginar os riscos que correm.
RuandaLogo me vem à mente uma avalanche de histórias sobre a África. O filme
Hotel Ruanda sobre o genocídio ocorrido no país nos anos 90. E então me lembro do livro
Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias, escrito pelo jornalista inglês Philip Gourevitch, que tenta mostrar que o massacre ocorrido não foi apenas uma guerra entre etnias mas também com contornos políticos. E que simplesmente o mundo fechou os olhos enquanto os ruandenses se destruíram em cem dias de conflitos (em torno de um milhão de mortos).
Na verdade, eu tinha o livro, nunca li, emprestei
não-sei-pra-quem e nunca mais recuperei. Quando foi lançado o filme me lembrei do livro, mas já não estava mais comigo.
ÉbanoE tem também o livro
Ébano, do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski – que morreu no início deste ano e por quem tenho profunda admiração. Faz tempo que li o livro, mas logo no início Kapuscinski fala do calor escaldante que assombra (ou seria “ensolara”?) um europeu assim que pisa em um aeroporto africano. Ele faz a seguinte comparação: nos tempos em que os homens se deslocavam pelo mundo a pé ou com meios mais lentos, havia uma adaptação gradual às alterações climáticas. Hoje, num intervalo de algumas horas, o homem consegue voar entre um país gelado e uma terra que queima os miolos.
Ele escreveu o livro a partir de sua experiência como correspondente na Etiópia. No livro, o jornalista mostra de que forma os colonizadores contribuíram para o acirramento de conflitos entre etnias nos vários países da África, por terem feito uma divisão meramente territorial – para se apossarem das colônias – sem levar em conta as diferenças culturais entre os africanos.
(
E tem mais um livro que emprestei não-sei-pra-quem, também do Kapuscinski – Imperium
– maravilhoso, que fala do império soviético. Já tentei comprar novamente o livro, editado pela Companhia das Letras, mas está esgotado há anos... Eu detesto essa minha amnésia...)
ÓrfãosEm 2005, entrevistei um jovem africano – não me lembro de qual país – que me contou que mais de 50% das crianças e jovens de seu país eram órfãos por causa da Aids. Pesquisas indicam que a média de expectativa de vida em 11 países africanos cairá abaixo dos 40 anos até 2010 por conta da Aids. Em alguns países, a incidência de Aids na população é de 30%. Ou seja, uma realidade de alta desolação.
Contos africanosNo ano de 2000, eu e o Nícolas assistimos em São Paulo a um desenho animado francês chamado
Kiriku e a feiticeira, baseado num conto africano. É lindo, com uma trilha sonora também linda. Depois eu comprei o DVD. Eu até já emprestei, mas este me devolveram... Conta a história de um menino que liberta a sua tribo do domínio de uma feiticeira. O final é surpreendente porque a conquista dessa liberdade ocorre ao mesmo tempo em que ele também liberta a feiticeira de seu feitiço. Adorei.
Mas talvez o meu primeiro contato com as histórias da África tenha se dado quando eu era pequena. Em casa tinha – acredito que ainda deve ter em algum armário por lá – uma coleção de livros com contos africanas. São histórias infantis, originais, bem diferentes das nossas por aqui. E eu adorava também as ilustrações. Se não me engano a coleção chama-se
Maravilhas dos Contos Africanos.
Tem a história
O Menino de Ouro e O Menino de Prata. Um rei africano – ou alguém muito rico, não lembro – ia escolher uma mulher para se casar. Como havia muitas pretendentes, ele entrevistou cada uma perguntando o que ela lhe daria caso fosse sua esposa. E cada uma prometeu alguma coisa bem legal. Mas teve uma que lhe disse que, se casasse com ele, lhe daria um filho de ouro e um filho de prata. Ela foi a escolhida.
As outras, obviamente, ficaram com muita inveja. Já casada, ela tinha como empregada uma dessas invejosas. E engravidou logo. Numa das viagens do marido, os meninos nasceram. Era um de ouro e um de prata – lindos, eu me lembro até hoje da ilustração. Quando a mãe estava dormindo, a empregada pegou os meninos e os doou a um camponês. Em seu lugar, colocou dois sapos. Também me lembro daqueles sapos feiosos dentro do berço.
Imaginem a raiva do rei, que se sentiu enganado pela mulher e a expulsou de casa. Os meninos receberam uma boa educação e faziam apresentações artísticas – de teatro ou dança, não lembro – em que contavam sua história. Um dia, o rei estava passeando pela floresta, encontrou os meninos e os reconheceu como filhos. Foi atrás da mulher, deu uma recompensa ao bom homem e todos foram felizes para sempre – menos a empregada, né?
Tantas histórias de um povo que tem uma cultura tão rica, e que sofre as conseqüências de ter ficado à mercê dos europeus tão "superiores". Gosto de pensar que nós, brasileiros, temos muito dos africanos...
(A imagem é do blog http://anomalias.weblog.com.pt/arquivo/047770.html)