Esses seres irracionais
Nunca me apeteceu a idéia de ter um animal doméstico. Eu tenho um certo medo de gatos e cachorros. Não gosto de pegar no colo, nem mesmo os filhotinhos, que são tão fofos. Tenho uma certa dificuldade de lidar com esses seres irracionais. Sempre acho que uma hora ou outra eles vão me atacar. Então sempre mantenho uma distância segura.
Meu filho, ao contrário, adora bichos. Não sei como ele aprendeu isso. E obviamente sempre quis ter um animalzinho em casa. Uma vez ele me convenceu de que poderíamos ao menos tentar ter um gatinho. Uma vizinha do prédio que tinha um monte de filhos e de gatos ofereceu um filhote. Lá veio o Rajadinho.
Arrumamos uma caminha na área de serviço. Eu estipulei que, de noite, o gato só podia circular pela cozinha e área de serviço. Eu tinha tanto medo que evitava ir à cozinha no meio da noite. Sei lá. Vai que ele resolvesse me atacar.
No terceiro dia, quando cheguei do trabalho, cansada, havia lá uns cocôs pra eu limpar. Aí eu desisti. Falei pro meu filho que infelizmente eu não conseguia conviver com um gato dentro de casa. Era eu ou ele. A vizinha aceitou o Rajadinho de volta; e meu filho, que já freqüentava a casa, sempre ia lá brincar com o bicho.
No Natal passado, ele ganhou um peixinho de presente. Um Beta. Pôs o nome de Frito. Peixe, eu achei que podia ser uma boa idéia. Afinal, o espaço dele já está bem delimitado, ele já sabe que é ali mesmo que faz as refeições e os cocôs, e não tem como atacar ninguém.
Nós estávamos de férias em Londrina e tínhamos que voltar pra Brasília. Antes, dar uma passadinha na casa da minha mãe no interior de São Paulo. O Frito, então, viajou de carro até a casa da minha mãe, de ônibus até São Paulo e de avião até Brasília. E se comportou muito bem. Não foi barrado no detector de metal. E, o que é melhor, não morreu.
No início eu nem lembrava que ele existia. Se deixassem comigo a incumbência de lhe dar comida, ele passava fome. Mas, com o tempo, não é que eu fui me afeiçoando ao bichinho? E ele nem é daqueles peixes bonitos, coloridos. É até sem graça. Às vezes eu até puxava um papo. Ele, sempre muito discreto, nunca emitiu um som.
Na viagem de volta a Londrina, de carro, o Frito agüentou firme os 1.200 km. Eu cuido melhor dele agora e às vezes fico pensando como é que a gente pode gostar de um peixinho... Ainda mais um desmemoriado. Meu filho descobriu na internet que o tempo de memória de um Beta é de três segundos.
Esses dias, o Frito começou a apresentar um comportamento estranho. Parou de comer. Ficava imóvel no aquário. Estava completamente macambúzio, taciturno e sorumbático, como diria o Aurélio (o Albano, meu amigo, e não o Buarque de Holanda). Será que a hora dele estava chegando? Nova pesquisa na internet informou que um Beta vive de 2 a 3 anos. Então, ele ainda tinha tempo. O que seria?
Numa loja de bichos, a moça explicou que podia ser o frio. Eu pensava que peixe nem tinha essa de sentir frio nem calor, afinal, ele nasce dentro d'água e fica molhado a vida toda. Mas achamos que era uma boa explicação. Compramos um aquecedorzinho de oito reais (quatro vezes o preço de um peixe, diria meu lado totalmente racional). E não é que o Frito voltou a ser feliz? O bichinho, coitado, estava com frio. Voltou a comer e a saracotear. E até já esqueceu que um dia passou frio.