domingo, setembro 10

Saudades do França

A notícia da morte do França me pegou de surpresa. E me entristeceu. A notícia veio acompanhada de uma chuva fina que acinzentou a cidade. Comecei a puxar pela memória todos os meus encontros com esse grande cara, que nunca se deixou abater pelos graves problemas de saúde que sempre o acompanharam.

Eu trabalhava na Folha de Londrina quando a Patrícia Zanin, uma das amigas mais próximas do França, me mostrou um texto escrito por ele publicado em um jornalzinho. Ali, ele relatava como descobrira que tinha insuficiência renal, não lembro se na infância ou adolescência. Me chamou a atenção a leveza com que ele tratou a descoberta, contando que chegou a pensar: ah, será que é isso que falam de sangue azul? Nunca esqueci isso.

Algum tempo depois, ele também começou a trabalhar na Folha e nos tornamos amigos. A falta de espaço na redação fazia com que alguns repórteres de Economia (eu) invadissem a ilha da Cultura (ele). Era ótimo trabalhar ao lado dele. Ele tinha um senso de humor fantástico. Eu usava umas saias curtíssimas e ele brincava: Você compra suas roupas na Mirex?

Um dia veio a notícia de que o França ia passar por um transplante de rim. E ele não queria receber visitas. Era como se a saúde dele não interessasse a ninguém. Nunca ouvi nenhuma reclamação dele sobre isso. O seu retorno à redação foi muito feliz.

Ele, que amava o teatro e o cinema, viajava às vezes num final de semana pra São Paulo apenas para ver uma peça em cartaz. Quando eu comentei que achava demais ele fazer essas viagens
tão rápidas e a lugares não tão próximos, ele me explicou que nunca pôde viajar muito por causa das sessões de hemodiálise que antes precisava fazer.

Aí eu comecei a entender melhor o França. Vi que ele via a vida numa dimensão diferente de quem acredita que tem muito pela frente. Ele vivia com intensidade. Isso o tornava especial. Com seu humor sarcástico, ele era profundo em tudo.

Não lembro quanto tempo depois ele precisou passar por uma cirurgia, grave, no intestino. Fui visitá-lo no hospital. Ele precisava caminhar pelo quarto. Apoiou-se em mim e eu ia carregando o soro. Aí fiquei com uma vontade terrível de dar risada porque parecia que nós dois estávamos numa procissão, eu carregando o mastro, e comecei a rir e a cantar "A bandeira do Divino...". Ele também riu e reclamou: Carina, não me faça rir porque dói. Mas não teve muito jeito, nós rimos um bocadinho.

Fazia uns dois anos, acredito, que eu não o via. Estava acompanhando notícias dele nos jornais sobre a produção de seu filme. Isso me deixou feliz por saber que, apesar de tudo, ele continuava produzindo. Aproveitou cada momento que teve para fazer o que gostava. A imagem que me vem é sempre do França sorrindo e fazendo algum comentário engraçado. É essa imagem que me conforta.

5 comentários:

Anônimo disse...

É, Carina, vamos sentir muita saudade do França. Lindo texto.

Anônimo disse...

Cá, um texto de despedida para o França... E também um texto de reencontro. Com sentimentos seus da amizade e admiração cultivados pelo França. Achei seu texto tão intenso quanto a intensidade da vida do França, e tão sincero quanto a sinceridade, dura, que ele cultivava. É tão estranha a sensação da perda, né? Por outro lado, tenho tentado pensar nas lições de amizade que o França deixou. Talvez a maior delas seja a idéia e a prática da INTENSIDADE que você destaca no seu texto.
Patricia

carina paccola disse...

Paulo, também li os seus textos sobre o França. Como você disse, ele driblou tantas vezes as dores que nos surpreendemos todos quando ele se foi.


Pat, você deve ter sido uma das amigas que mais conviveram com ele. Essa sensação é estranha mesmo. Acho que o França não perdeu tempo, ele valorizou cada minuto que tinha.

Anônimo disse...

Cara Carina,

Seu irmão Guilherme me passou seu endereço e é a segunda vez que entro pra ler seus escritos. Parabéns pelo blog! Achei especialmente comovente o que escreveu sobre o França. Não o conheci mas já ficou marcado no meu coracão. Adorei a do futebol, a do dia dos filmes. Enfim, continue firme nessa difícil e prazerosa arte de escrever. Parabéns e um beijinho carinhoso no seu filho - que nunca conheci pessoalmente mas acompanhei o crescimento via fotos que seu irmão me mostrava.
Grande abraço
Patricia

carina paccola disse...

Oi, Patrícia, obrigada pelas suas visitas e seu comentário. Só hoje que eu li. Escrever realmente é um constante desafio: você sabe bem sobre isso. Eu também não a conheço pessoalmente, mas meu irmão sempre falou de você.
Um grande abraço
Carina