sexta-feira, junho 19

Ainda o diploma!




A decisão do STF foi um retrocesso para o país. Alguns amigos tentam me consolar dizendo que eu sou talentosa, que sou ótima profissional e que não preciso me preocupar. Sou formada há 21 anos, tenho pelo menos 15 anos de experiência em jornalismo diário, sou concursada numa empresa de economia mista e, sinceramente, não estou nem um pouco preocupada com o meu caso em particular. E, se eu sou uma profissional competente, eu devo à minha formação universitária.

Em 1991, quando concorri a uma vaga na Folha de S. Paulo, depois de uma peneirada, sobramos eu e um engenheiro (afinal a Folha sempre foi a precursora na luta contra o diploma, algo que eu repudio. E eu gostaria de saber, o que a Folha nunca divulga, é qual o percentual de jornalistas formados e não-formados dentro da redação do jornalóide paulistano. Eu imagino que os formados ganhem de goleada). Na época eu estava formada fazia três anos e tinha três anos de trabalho em jornal diário. É óbvio que eu passei no concurso da Folha e não o engenheiro.

É claro que os profissionais que passam por uma faculdade de jornalismo são melhor preparados do que qualquer outro profissional com formação em outra área. Eu desafio qualquer profissional (engenheiro, advogado, médico, professor de filosofia, de letras, de história, do escambau) a fazer um texto jornalístico. O meu vai ficar melhor. Não estou falando de artigo opinativo (cometo a redundância porque nem todos sabem que artigos são opinativos). E a matéria pode ser na área de atuação desse profissional. E é claro que todos esses profissionais têm espaço nos veículos de comunicação para expressarem suas opiniões. Isso já contraria a tese de que o diploma impede a liberdade de expressão.

Fico muito irritada com o uso deste argumento por aquela Corte de juízes (e nem vou entrar no mérito da integridade moral de alguns deles ali que dá até vontade de vomitar). A minha irritação aumenta quando eles citam Carlos Drummond de Andrade, Manoel de barros e outros grandes escritores e poetas que um dia exerceram o jornalismo, sem terem cursado uma faculdade.

Primeiro que eu imagino que o Drummond não fazia matéria de polícia ou buraco de rua. Se fazia, transformava em crônicas. O problema é que esses grandes talentos do mundo das letras são exceções. E, se existem as exceções, qual é o problema de esses iluminados irem para uma faculdade de jornalismo obter um diploma para ter o devido registro profissional, se eles quiserem trabalhar como repórter, editor ou outra função de jornalista?

Mesmo que uma pessoa extremamente talentosa chegue à redação, ela não sabe fazer jornalismo, pode até ter um ótimo texto, mas vai ter que aprender como é o jornalismo. E hoje em dia, qualquer repórter sabe, é praticamente impossível, contar com a ajuda do editor ou do colega do lado para aprender o jornalismo. Ah, vai aprender na prática, mas vai errar muito até aprender. Se ele passar por uma faculdade antes, com certeza, isso fica mais fácil.

E, na minha opinião, entre os que comemoram a decisão do STF há mais semi-letrados que não querem fazer faculdade e nunca devem ter lido um livro do que os virtuoses.

Se há 40 anos já era exigido o diploma, como pode a sociedade acreditar que agora, sem diploma, o jornalismo vai ficar melhor porque alcançamos a "liberdade". Está garantido o livre acesso de analfabetos, semi-analfabetos e todos à profissão de jornalismo. Nossa, que conquista, hein?

O Aguinaldo eu sei que defende a formação autodidata para qualquer profissão. Ora, em que país estamos? Somos um país que lê pouco, muito pouco, que as escolas já são fracas, e ele quer contar com a boa vontade e o desempenho individual? Se for na linha do raciocínio dele, essa abertura então deveria acontecer com todas as profissões, e não apenas com o jornalismo. Aquela Corte acataria a sugestão para os advogados?

Ah, mas então a minha defesa é corporativista? É, também é. Os salários pagos aos jornalistas são vergonhosos. Sem a obrigatoriedade do diploma, a tendência é piorar. Afinal, se eu vou contratar um profissional de nível médio ou até fundamental (como bem lembrou o ministro Marco Aurélio), o salário será mais baixo. Para que isso não acontece, os sindicatos terão que se fortalecer muito - isso significa a categoria se mobilizar.

O Paulo defende que um curso técnico daria conta de formar jornalistas. Mas jornalismo não é só técnica. Há outras áreas que complementam a formação. Como alguém pode imaginar que uma pessoa que não passou pela faculdade tenha as mesmas condições de trabalhar do que outra que tenha passado por essa formação, que tenha participado de discussões e debates dentro de uma faculdade, tenha recebido aula de ética?

Parece piada...

9 comentários:

Aguinaldo Pavão disse...

Eu desafio qualquer profissional (engenheiro, advogado, médico, professor de filosofia, de letras, de história, do escambau) a fazer um texto jornalístico. O meu vai ficar melhor.

Desculpe Carina, mas por amor à discussão, gostaria de dizer que o teu desafio não serve para a tua bandeira em favor do diploma. O desafio teria de ser formulado nos seguintes termos: Desafio qualquer profissional (engenheiro, advogado, médico, professor de filosofia, de letras, de história, do escambau) a fazer um texto jornalístico. O texto de um jornalista com diploma ficará melhor. Duvido que você assuma esse desafio.
Ah, o meu ponto é menos o autodidatismo do que a interferência do Estado. Sou a favor de se exigir diploma de jornalismo! Porem, desde que o dono da empresa jornalística queria funcionários com diplomas de jornalismo.
Abraço.

carina paccola disse...

Aguinaldo, eu mantenho o desafio: sendo válido para qualquer jornalista formado em relação a qualquer profissional, com a condição de que os dois tenham o mesmo tempo de formação (um jornalista recém-formado concorrendo com um engenheiro ou advogado recém-formado). Um abraço

Aguinaldo Pavão disse...

Quer dizer que qualquer jornalista (imaginemos o pior) com 5 anos de formação (depois da diplomação) escreverá um texto jornalístico sobre economia (vamos supor) melhor que o melhor dos economistas com 5 anos de formação (depois de sua diplomação)?
Bah! Que desafio temerário, hein.
É isso?

Paulo Briguet disse...

Querida Carina:

Eu não defendo curso técnico de jornalismo, não. Isso é apenas uma brincadeira que eu e o Tanga fazemos para ressaltar o baixo nível das faculdades de comunicação.

Conheço vários advogados, professores, médicos e até pessoas sem formação acadêmica alguma que escreveriam textos jornalísticos melhores do que os meus. Eles só não topariam ganhar o meu salário.
Acho que nós damos importância exagerada ao jornalismo. é um trabalho como outro qualquer.

Não me ofendi com a comparação do Gilmar Mendes. Afinal de contas, já cozinhei muitas matérias nesta vida.

E você sabe que existem muitos jornalistas formados incapazes de entender que não se separa sujeito de predicado com vírgula.

Um abraço.

carina paccola disse...

Aguinaldo, isso vale para qualquer área, até física nuclear. Sejamos razoáveis e peguemos um jornalista mediano (vamos utopicamente pensar que uma empresa jornalística demitiria um mau profissional). E vamos pensar no lançamento pelo governo de um pacote tributário. O jornalista mediano vai entrevistar economistas, tributaristas, contabilistas, contribuintes e vai escrever um texto que um leitor mediano vai entender. O texto dele vai ficar melhor do que a matéria feita pelo economista. Com certeza, a matéria feita pelo economista vai ter termos técnicos ininteligíveis para o leitor médio. Se o jornal quiser, pode publicar junto um artigo feito por um economista, um artigo até mais técnico. Um economista escreve, de modo geral, para seus pares.

Aguinaldo Pavão disse...

Carina.
Note como o desafio teve os termos alterados. Agora, se entendi bem, você desafia qualquer economista, tributarista ou contabilista medianos a escrever um texto jornalístico sobre um pacote tributário melhor que um jornalista mediano. Ou seja, jornalista mediano contra profissional mediano de outra área ganha. Ok. Mas esse desafio está muito fácil.
Que um economista escreva, de modo geral, para seus pares (vamos admitir), eis um fato que não altera em nada a ideia de ele, um excelente economista e que se comunica não apenas com seus pares, possa escrever um texto sobre pacote tributário dez vezes melhor que um jornalista medíocre.
A meu ver, o teu desafio inicial foi abandonado (inclusive o segundo).
Abraços.

carina paccola disse...

Aguinaldo, parece que você admite apenas a ideia de um jornalista medíocre (na verdade, medíocre é mediano, não?). Por que no nosso teste o outro profissional tem que ser mais qualificado do que o jornalista. De todas as faculdades saem profissionais ótimos, medianos e ruins. De todas, de todos os cursos. E não apenas de jornalismo. Nós, jornalistas, somos preparados no curso de jornalismo a escrever sobre qualquer coisa. E é claro que nós temos que continuar nos aprimorando. Eu, por exemplo, fiz mestrado em Ciências Sociais porque queria melhorar como jornalista. Nada impede que um jornalista faça uma especialização em economia ou apenas uma disciplina como aluno especial para melhorar seu conhecimento. Abraços

Edra Moraes disse...

Carina morei 06 anos, como vc sabe na Irlanda. E gostei muito do sistema de lá. Que é do UK. Voce precisa de 01 primeiro diploma, depois vc faz pos em jornalismo.
Acho perfeito. A maioria dos jornalistas que lemos sao como experts na áreas deles (ciencia, psicologia, economia). A pós é claro vai focar na etica, responsabilidade social, etc.

carina paccola disse...

Edra, acho que não dá para comparar o nível educacional e as condições de trabalho dos países europeus com o nosso Brasil. São realidades distintas E eu ainda acho que um jornalista, com formação em jornalismo, escreve melhor sobre saúde do que um cara que tenha formação em medicina. O jornalista, na minha opinião, tem um texto mais acessível ao cidadão comum, o leitor. É claro que o jornalista vai entrevista especialistas em saúde, mas na hora da escrita... beijos