Este foi o primeiro Natal sem meu pai. A casa em Piraju foi
enchendo aos poucos durante a semana anterior. Em vários momentos, eu ficava
com a sensação de que meu pai estava lá, em algum cômodo, como nos natais
anteriores. Me fez lembrar da sensação que tive na saída do cemitério, após o
sepultamento da minha mãe. No trajeto
até a saída, meu pensamento percorria o entorno e me vinha a ideia de que
estávamos esquecendo alguém. Na contagem inconsciente que meu cérebro fazia,
faltava minha mãe. E eu teria que me acostumar que não seríamos mais completos.
Agora, faltou meu pai. No Natal de 2015, fui para Piraju
apenas no dia 24. Na entrada da cidade, no semáforo antes da ponte sobre o Rio
Paranapanema, o freio não funcionou e bati no carro da frente. Não foi nada
grave, mas fiquei assustada. Quando entrei em casa, estavam meus irmãos,
cunhados e meu pai. Contei o que tinha acontecido. Meu irmão disse que levaria
meu carro à oficina. Meu pai me deu uma dica: quando o freio não funcionar, dê
várias freadinhas rápidas...
Meu carro voltou da oficina no sábado à tarde e, de fato,
havia um problema no freio, que agora estava resolvido. Eu voltaria a Londrina
no domingo à tarde. De manhã, comentei com meu pai que me sentia um pouco
insegura com o freio do carro. Ele perguntou: Quer que eu vá com você dar uma
volta? E fomos. Andamos por várias ruas. Subi para a Estação, o bairro que é a
minha entrada de Piraju. Mostrei o local onde o freio havia falhado.
Conversamos coisas banais. Foi a única vez que dirigi para o meu pai. E foi o
último dia em que o vi fora do hospital.
No domingo de Páscoa, depois de complicações de uma
cirurgia, o visitei na UTI. Ele estava sedado. Eu, com 50, ele com 81. Foi a
primeira vez que pude fazer carinho no seu rosto e no seu cabelo. Ainda pensei:
Acho que ele só está deixando porque está sedado...
Sábado, 9 de abril. Peguei um ônibus de Londrina rumo a Jaú,
onde ele estava hospitalizado. Minha irmã e eu entramos na UTI no horário da
visita da tarde. Meu pai estava consciente, mas com traqueostomia. Não podia
falar. Também não conseguia escrever de forma legível. À noite, na casa da
minha irmã, em Lençóis Paulista, cidade onde também morava meu pai, fizemos um
cartaz com as letras do alfabeto, os números e algumas palavras.
Domingo. 10 de abril. Fomos à visita da noite. Eu pegaria
ônibus de volta às 22 horas. Ele estava bem. Conseguiu se comunicar melhor com
o cartaz. Reclamou que os enfermeiros eram muito rígidos. Conversou com minha
irmã sobre uma viagem ao México. Eu disse que queria ir junto. Ele brincou,
olhou pra minha irmã como quem diz: Será que a gente leva? Quis saber o horário
do meu ônibus, que horas eu chegaria em Londrina. Quando deu a hora, me
despedi. E pude ler nos seus lábios: Boa viagem! Fui embora com o coração
partido, mas com alguma esperança de que ele conseguiria se recuperar. Foi o
nosso último encontro! Dez dias depois ele se foi.
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