O Ní tinha quatro-cinco anos e ela sempre tinha balas reservadas para ele. E avisava que não era para ele mostrar para as outras crianças do prédio. Quando fazia bolinhos, também gastava a campainha para nos chamar. O supermercado Jumbo-Eletro já não existia fazia tempo, mas ela ainda dizia que ia ao Jumbo para se referir ao supermercado perto de casa.
Nos últimos meses de sua vida, dona Odila estava fraquinha. Não saía mais da cama e tinha os cuidados de duas enfermeiras. Percebi que o caso era grave quando ela desceu de maca na primeira de suas internações. Fui ao seu velório. Finalmente ela ia se encontrar com seu finado marido, a quem sempre pedia para vir buscá-la. Uma vez ela me contou que perguntou ao padre se era pecado querer morrer. Ela tinha muitas saudades do marido, e até passou a vê-lo pela janela.
O apartamento ao lado ficou vazio e eu logo depois de mudei para outras bandas. Agora a vizinha era dona Iva, também viúva e mãe da minha amiga jornalista Karen. Quando havia festas familiares, nós éramos bem-vindos, e o Ní corria para lá nas noites em que eu saía para dar aulas. Ficavam os dois vendo tevê. Foi uma convivência curta porque logo eu também me mudei e fui para bem longe. E também senti saudades das coisas gostosas feitas pela dona Iva.
No meu retorno do cerrado, assim que me mudei fui saudada por outra vizinha, a dona Gilda, de 72 anos, que era separada do marido. Ela era enérgica, mas não menos generosa. Tinhas uns netinhos fofos que apareciam por lá. E dona Gilda me socorreu algumas vezes, com um aspersor de veneno, para matar as baratas que me aterrorizavam.
Depois de um intervalo de quase três anos, novamente sou agraciada por outro desses anjos. Agora é a dona Faryd, 81 anos, viúva e sem filhos. Mas a vida dela é agitadinha. É tia de muitos sobrinhos que a querem muito bem e fazem o papel de filhos. Talvez porque ela tenha feito o papel de mãe para eles.
Logo no dia da minha mudança, dona Faryd apareceu com água fresquinha para os rapazes que carregavam os móveis. Doce e acolhedora, ela já me ofereceu café quentinho e pão com manteiga muitas vezes. E eu gosto muito de ouvir as histórias que ela conta de seus pais, irmãos e do marido. Ela é muito alegre, risonha e prestativa.
Outro dia, fez questão que eu conhecesse sua irmã, Laura, de 91 anos, muito bonita, de olhos azuis e também muito sorridente. Cúmplices, elas riam a todo momento lembrando as histórias de infância e juventude.
Como a minha velhice também vai chegar, gosto de ter por perto essas vizinhas que me servem de inspiração.
(Ilustração de Mariana, publicada no blog ttp://manasedesenhos.blogspot.com/2007_08_01_archive.html)