sexta-feira, maio 25

Frio? Tô fora...

A um amigo, que acha exagero alguém reclamar desse frio

Eu não preciso ler os termômetros espalhados pelas ruas nem acompanhar as matérias sobre a meteorologia para saber que o frio chegou.

O meu nariz se encarrega de me avisar que está inspirando ar gelado ao devolver coriza e espirros.
O meu estoque de lenço de papel baixa rapidamente de uma hora para outra.

O antialérgico passa a ser item permanente dentro da bolsa.

A hora de levantar é um suplício. E a de deitar também.

Só me convenço de que tomar banho ainda é indispensável quando a água escorre quentinha sobre mim.

Fico prorrogando as idas aos banheiros porque elas significam tomar um ventinho frio no traseiro e ter que molhar minhas mãos.

Fico adiando qualquer atividade que envolva água, como lavar louça e até mesmo matar a sede.

O xampu fica mais espesso e demora a chegar às minhas mãos.

Eu me torno ainda mais caseira e não me animo a sair mesmo diante de programações culturais legais.

Tenho que movimentar meus pés várias vezes ao dia para que eles não endureçam.

Passo a comer mais rápido porque há uma queda significativa na temperatura da comida entre a primeira e a última garfada.

As blusas e casacos tornam meus movimentos mais lentos.

Agradeço por não morar em Curitiba e em nenhum país de clima frio.

E me lembro de que quando está muito quente eu repito: entre os dois extremos, eu ainda prefiro o super calor.

Ou seja, frio eu só gosto de ver em fotografia. E, como um dia já foi suficiente para eu usar meu casaco novo, pode voltar o calor que eu já estou com muitas saudades.

segunda-feira, maio 21

Eu, empacotada

Tem dias que é bom pensar num grande pacote e colocar ali tudo em mim que me incomoda, que me tira o sono. Meu cérebro, rapidamente, só seleciona as últimas cenas péssimas de minha vida. A retrospectiva mental dos piores momentos mais recentes. Assunto mal escolhido numa roda de amigos; comentários dispensáveis; contação de histórias idiotas; lembranças que não deviam ter sido compartilhadas; atitudes equivocadas. E, fio a fio, me sinto a pior da humanidade. Pra desocupar minha mente desse auto-julgamento, vou colocando tudo num pacote, num grande pacote, que fica cada vez maior. Quero preencher logo o pacote pra me livrar dele o mais rápido possível. Passo a me lembrar o tempo todo de que isso faz parte da minha humanidade, de que todos esses defeitos são possíveis apenas porque sou humana. Tento me consolar com a consciência da minha composição humanóide. Largo, enfim, o pacote, vencida pelo peso do sono. Fecho mentalmente os já fechados olhos. Quando acordo novamente, vejo que uma luz fraca ameaça entrar no ambiente. O sol, mesmo escondido entre nuvens, aquece um pouco meu coração e me anima a pular da cama. Sei lá se ao longo do dia vou conseguir me desfazer definitivamente dos meus defeitos ou se, na próxima noite, eles estarão lá a me assombrar.

sábado, maio 12

Melhor não tê-los?


O melhor das mães são os filhos. Hoje eu recebi o cartão mais lindo do mundo de Dia das Mães (deste ano, né?). Como é que pode aquela barrigona ter virado um menino que já está do meu tamanho, com os pés maiores do que os meus e que já tem suas próprias opiniões sobre muitas coisas da vida? Ao chegar em casa após a saída do hospital, com um bebê enroladinho, sinceramente senti vontade de sair correndo. O que eu vou fazer com isso?, me perguntava. Confesso que não foi fácil. Os primeiros dias como mãe já foram suficientes para derrubar o mito de que ser mãe é a coisa mais linda do mundo. E também para me fazer desistir da idéia de ter seis filhos. A noção de que aquele ser depende inteiramente de você para sobreviver é apavorante. O teste do pezinho, alguns dias depois do parto, na verdade é um teste para avaliar a capacidade de auto-controle das mães para não estrangularem a enfermeira que fura e espreme o pé do seu bebê para literalmente tirar sangue enquanto ele berra de dor. Sem falar das inúmeras vacinas que vão arrancar lágrimas de seu menino diante de você, que se desdobra em afagos e palavras de consolo. Para poder trabalhar e continuar sendo mãe, você ainda terá que percorrer dezenas de berçários e optar por um para depois morrer de culpa se descobrir que fez a escolha errada. Isso irá se repetir em outras fases da vida da criança. Você ficará chocada quando perceber que não controla tudo na vida de seu filho. Mas essa descoberta vem cedo. Ainda na fase do berçário, quando ouvi-lo falar uma palavra que não foi você que ensinou. E também ao ouvir as professoras contarem gracinhas feitas por ele na sua ausência. O que mais me surpreende até hoje e no fundo me causa uma grande felicidade é ver meu filho desenvolver seu próprio pensamento e construir opiniões sobre temas que você não se lembra de ter conversado com ele. E ver que ele também apreendeu valores ensinados por você, como respeito e solidariedade, e que é sensível à dor dos outros. E é tudo verdade quando dizem que você só compreende seus pais quando tem um filho. E também é verdade que o amor que você tem por seu filho é o maior amor do mundo, é ilimitado e incondicional. E eu sempre tenho a certeza de que o amor que sinto hoje por ele é maior do que foi ontem e de que amanhã será maior do que é hoje. Que coisa, hein? E eu não acho que ser mãe é a coisa mais linda do mundo – como nos querem fazer crer. Para mim, ser mãe é construir uma relação permeada de cuidados, responsabilidades, desapegos, tolerância, incertezas, inseguranças. Não há mágica nessa história. E vale a pena!

Imagem: "Mother & Child" , de Gustav Klimt

quinta-feira, maio 10

Dez de maio

Hoje faz um ano de um dia feliz. Tento reconstituí-lo na memória. No trabalho, correria. Precisava terminar relatório, boletim e muita coisa porque era minha última semana de emprego. Devia deixar tudo em ordem. Não lembro do almoço. Só da briga boba com o Ní que insistia em ouvir Tim Maia no carro e eu já não agüentava mais A semana inteira, fiquei esperando... Queria ouvir o CD novo da Marisa Monte. Depois de um tempão sem música no carro, agora tinha um toca-cd novíssimo comprado para encarar a viagem de volta. Eram 1.200 km. Não dá pra encarar 1.200 km sem música. Deixo o menino na escola e sigo pro trabalho ouvindo MM. No estacionamento em frente ao trabalho, não havia mais vaga. Tive que deixar o carro 100 m distante. Não gostava desse outro estacionamento. Não conhecia os guardadores. E foi ali que roubaram meu toca-fitas antigo e barato bem no Dia da Mulher, um ano antes. No encerramento do expediente, combinei com alguns colegas uma paradinha de despedida no Beirute. Eram 19h. Estava falando ao celular com uma amiga, quando percebo que está difícil abrir o carro com a chave. Intuio rapidamente o que aconteceu. Da outra vez também foi assim. Eles forçam a fechadura, entram e levam o seu som. Pode ser som porcaria. Não importa. Quando constatei que era verdade, comecei a chorar de raiva. Minha amiga, no telefone, tenta me consolar. Entro. Não havia mais toca-cd. Nem a música nova da MM. Liga outro amigo. Chorando, explico o que aconteceu. Tinha aproveitado uma promoção no Extra. Toca-cd baratinho, em dez vezes, com instalação gratuita. Ele sugere: Vai lá e compra outro. Assim você não fica sentindo tanto... Pelo menos a frente do toca-cd estava comigo na bolsa. Pelo menos não conseguiram tudo. Pego o Ní na escola e rumamos pro Beirute. Cerveja, risadas, conversas tolas. Um leve friozinho. Incidente esquecido. Ganho até presente. Presente atrasado de aniversário... Mas a felicidade veio depois. Do inesperado. Coisa boa que não mais se espera fica ainda mais boa. Traz um sorriso de orelha a orelha. Vira segredo. E segredo a gente não conta. No dia seguinte, cedinho, antes do trabalho corri no Extra (ele não fecha nunca) e comprei o último toca-cd da promoção, que estava ainda mais barato. E me deixei mais feliz ainda...

Imagem: pintura de Sultanov Yuriy


Com aveia, com afeto

Com sete filhos, minha mãe tinha muitas opções de viagem. Embora tivesse sua própria casa, ela ficava alguns períodos com cada um de nós. Quem a recebia, tinha que ter na cozinha alguns produtos básicos: açúcar mascavo, aveia, banana, pão integral.

Mas não era assim tão fácil. O açúcar tinha que ser o mais escuro que você encontrasse. Se não, nem adiantava. Se você comprasse um clarinho, depois ia ter que ir atrás de um mais escuro. O mesmo acontecia com a aveia, que tinha que ser em flocos grossos. Banana tinha que ser nanica, não muito madura. E o pão, de preferência da marca Nutrella sabor iogurte, cenoura e mel. Ela até aceitava outro se não tivesse este.

Com o tempo, tornou-se natural atender a esses pedidos. Em 2005, nos dois meses que ela ficou em casa, em Brasília, até me habituei a comer aveia diariamente. E também passei a preferir os flocos grossos.

Em junho do ano passado, já em Londrina, ela foi morar em minha casa. Foi um exercício mútuo de paciência e tolerância. E um clima de muito afeto. Até que ela me surpreendeu: Eu quero aveia de flocos finos. Sem entender direito, não deixei faltar nenhum tipo de aveia na prateleira.

Um dia, no supermercado com minha irmã, eu procurava aveia para a minha mãe. Minha irmã lembrou: Tem que ser de flocos grossos. Eu expliquei: Não, agora ela quer de flocos finos. Nós rimos.

Agora leio uma matéria que fala que o farelo de aveia (os flocos finos) traz mais benefícios à saúde do que a aveia de flocos grossos. Minha mãe sabia das coisas. Na próxima compra, eu já vou trocar a textura da aveia. Vou fazer questão dos flocos finos.

Imagem: ©Malka 2002

segunda-feira, maio 7

Tempo e dinheiro

O dinheiro
Sábado eu estava saindo de um supermercado com o carrinho cheio e na única passagem rebaixada da calçada para a rua havia a roda traseira de um carro-forte que devia estar abastecendo algum caixa eletrônico por perto. Eu tive que me espremer para conseguir passar naquele espaço. É lógico que fiquei olhando fixamente para a cabine do carro para mostrar que eles estavam incomodando. E fiquei pensando que eles poderiam pensar que naquele carrinho havia uma bomba ou uma arma e poderia ser uma tentativa de assalto. Sei lá. Vai saber o que se passa na cabeça daqueles caras armados. Mas eu não devo ter cara de assaltante e eles nem desconfiaram dos meus pensamentos.

Todo carro-forte sabe que pode ocupar todos os espaços que quiser. Mais do que as finadas Torres Gêmeas, para mim, o carro-forte é o emblema máximo do capitalismo. Ou do lugar que o dinheiro ocupa na sociedade. Eu sempre penso nisso quando vejo um. Na verdade eu acho engraçado ver aqueles caras ultra-armados em torno do carro-forte e do caixa eletrônico. Unicamente para proteger quem? Eu sempre penso nisso. Até parece que do carro vai sair o Bush, ou o Papa, ou alguém considerado muito importante, que pode sofrer um atentado. Mas, não. É só o dinheiro que está dando uma voltinha.

O tempo
E quando toca o despertador de manhã, eu penso que, além do dinheiro, o tempo controla nossa vida. Tudo o que fazemos é calculado em porções de tempo. Isso também é engraçado. Cumprimos nosso trabalho em função de um tempo previamente calculado. O trabalhador escuta o relógio para saber a que horas deve deixar o seu trabalho. E sabe que tem outra porção de tempo para comer e voltar ao trabalho. E também quanto tempo foi destinado para seu sono à noite.

O tempo é nossa referência de vida. Sem calcular o tempo, será que enlouqueceríamos? Por que nos filmes quem está cumprindo anos e anos de pena fica preocupado com o tempo? Por que precisamos sempre ficar calculando quanto tempo temos para isso e aquilo se na verdade não sabemos quanto tempo temos ainda? É porque não sabemos quanto tempo temos que calculamos o tempo? Para dar tempo de fazer tudo o que queremos antes que se encerre o nosso tempo final?

Quem tem dinheiro consegue dispor melhor de seu tempo? Ou quem não se preocupa muito com dinheiro, ou para quem o dinheiro não é o centro de suas atenções, tem mais tempo livre para fazer o que bem quer? O que é mais importante: o tempo ou o dinheiro? O tempo de quem tem dinheiro vale mais do que o tempo de quem não tem? Por isso, então, que tempo é dinheiro?


sexta-feira, maio 4

Saudades

Tanto tempo sem tempo pra escrever que quando fui responder alguns comentários, errei a senha duas vezes... Nesse período, tive tantas idéias pra postar que elas já foram esquecidas. Uma vez alguém disse que se a idéia for boa ela volta, se não é porque não era tão boa assim. Trabalhar 8 horas por dia diante do computador me fez manter distância do teclado em casa. Isso talvez explique essa ausência prolongada.

Acabo de chegar do shopping com o Ní. Não conseguimos assitir ao novo Homem Aranha de tão grande que estava a fila. Mas ocupamos o tempo atrás de roupas de frio para ele. Encontramos algumas peças. Já dá pra encarar o friozinho que está cada ano mais tímido. Agora, é fazer uma limpa no armário pra substituir as roupas pula-brejo pelas novas.

Quando entramos na sala, lembramos de minha mãe e deu tantas saudades. Se ela estivesse aqui, ia ver as roupas novas do Ní e dizer que são lindas. E a gente ia abrir a porta preocupados porque nos demoramos muito. E ela ia dizer que não demoramos, não. Que ela ficou bem.

Ela gostava de bolinhos de bacalhau. No caminho da fisioterapia, um dia, ela viu um restaurante que anunciava os tais bolinhos. Pronto. Toda semana ela pedia. Era muito bom. Uma porção tinha 12 bolinhos. Eu e o Ní íamos à noite comprar. O cara fritava na hora e eu os trazia quentinhos. Era muito bom.

De vez em quando ela pedia pastel. De palmito e de queijo. Eu ia buscar na rua Sergipe, na melhor vitamina de Londrina. Preciso voltar lá.

Quando eu brigava com o Nícolas, briguinha de mãe e filho, ela ficava brava comigo. Queria protegê-lo. "Não fale assim com ele", dizia. Uma vez eu falei: "Ah, mãe, não interfira". E o Nícolas: "É, vó, deixa a gente brigar em paz!"

Saudades de todos esses momentos. Ainda bem que existiram esses momentos. E essas lembranças agora ajudam a suportar as saudades. Esse post ficou assim meio sem pé nem cabeça. É só um aquecimento. Vou resgatar as idéias antigas porque acho que eram boas idéias e vou escrever com mais assiduidade.


domingo, março 25

Azul

Criança, li que pessoas de olhos claros não são confiáveis. Dona de olhos castanhos e ensanduichada entre duas irmãs loiras, uma de olhos azuis e outra de olhos verdes, quis logo aderir à idéia. Seria a vingança da confiabilidade contra a primazia da estética. Depois, concluí que isso só poderia ter sido escrito por alguém de olhos escuros que, valendo-se de sua suposta credibilidade, atestada pela cor de sua íris, pensou sentenciar como verdade sua tolice.

E então eu penso no mar. Nos olhos do mar. No azul do mar. Num azul tão lindo, que às vezes é verde, e às vezes um azul tão claro e tão límpido, que é calmaria. Às vezes, um azul escuro, profundo. É um azul tão imenso que se confunde com o azul do céu, de um azul tão claro que deixa passar a luz do sol. E então é um azul que ilumina. Ou é um azul tão escuro, e aí já não há mais certeza. Só mistério. Um azul tão negro que anuncia tempestades. E a hora de recolher-se. Ou um azul tão escuro e translúcido que deixa passar a luz das estrelas. Aí é sabedoria. Mas eu sei que são apenas olhos, que não me canso de olhar. Que me ficam retidos na retina. E eu posso fechar os meus olhos que eu ainda vejo esse azul.

sexta-feira, março 16

Os amores que se vão...

É tão bom quando o amor, que já acabou, acaba definitivamente de verdade. Porque às vezes o amor acaba na prática, não existe mais a relação amorosa, mas ele continua ali, subjacente, dormente, e de vez em quando dá sinais de vida. Que são reconhecidos com um " Pqp, você, aqui, ainda? Já era pra você estar bem longe de mim."

E eis que um belo dia, que nem precisa ser belo de verdade, pode ser até um dia cinzento, chuvoso, em que você se olha no espelho e nem se sente assim bonita, em que você nota que sua cara já traduz a sua idade. Pois bem, até mesmo nesse dia, você se dá conta de que aquele amor, aquele que quando se foi você pensou que fosse morrer (não, você não pensou isso porque você já sabia que havia perdido muitos outros amores e que não morreu, felizmente, nenhuma vez), mas de qualquer forma, aquele amor que arrancou muitas lágrimas, uivos e gemidos, finalmente se foi. E não porque apareceu outro pra substitui-lo, mas porque ele apagou, definhou e sumiu. Evaporou. Porque não havia sido alimentado e porque esse é o destino dos amores que não são mais alimentados.

Ufa! Que bom!

domingo, março 4

As noites de domingo

(desenho de Miguel Madeira)

Eu não gosto das noites de domingo. Os domingos, de modo geral, são os dias mais melancólicos para mim. À noite parece que esse sentimento se agrava. É como se as noites de domingo fossem mais escuras do que as outras.

O silêncio e o vazio das ruas, durante o dia, me tocam de uma forma dolorosa. As tardes se parecem com as cidadezinhas pequenas, pacatas, sem movimento. Eu gosto das cidadezinhas pequenas apenas de passagem. Não para moradia. Se as tardes já se revestem de melancolia, o que as noites vão nos reservar?

As noites de domingo se parecem com despedidas. É quando os estudantes se despedem da casa dos pais para pegar o ônibus e partir para outros lugares. Os lugares onde eles já não são mais filhos. É quando os namorados se abraçam e se beijam, já com saudades, porque cada um sabe que tem que se preparar para cuidar de seus afazeres.

As noites de domingo são o prenúncio da separação. Da retomada da rotina longe de quem se ama. Do retorno à vida produtiva. De dias corridos em busca da sobrevivência.

Nas noites de domingo, é hora de ativar o despertador do relógio. Porque na segunda o sol nasce mais cedo do que nas manhãs de domingo. As manhãs da segunda são aguardadas ansiosamente, porque aí se sabe, se tem certeza, de que o domingo finalmente findou-se. E então já não há mais domingo, já não há mais melancolia, só há a esperança de que os dias corram, cada vez mais rápido, para mais uma vez se nascer e morrer.

sábado, fevereiro 24

Hummmmm!!!!

Voltando ao tema culinária (nossa!), hoje eu fui a uma aula de culinária. Um bom programa para um sábado às 11 horas. Ainda mais que é perto de casa - dá pra ir a pé -, é de graça e você nem precisa levar ingredientes. É só aparecer!

Estava lotada a sala. Homens e mulheres de todas as idades. Sentei-me ao lado de dois mocinhos - 18 cada um, chutando alto. E, coincidência, o cozinheiro (será gourmet?) é um amigo meu. As receitas de hoje eram um molho de maracujá para acompanhar salada e pasta ao molho pesto. O melhor é que no final a gente pode experimentar.

O moço (o meu amigo) fica explicando tudo com um microfone. Fica um espelho acima dele pra que a gente que está sentada mais longe possa acompanhar tudo. Adorei. Parece programa de televisão. Ele já deixa tudo cortadinho, bem bonitinho.

Quando ele falou um ingrediente, um tal de "endro", pronto, já comecei a ficar nervosa. Primeiro, eu entendi "endo", depois achei que fosse "endro" mesmo, mas como eu nunca tinha ouvido falar fiquei pensando: Será que é "coentro"?

Ainda bem que ao meu lado estavam os dois mocinhos e eles tiraram minha dúvida. Bem, eu nunca devo ter comido nada com esse tempero, se não acho que eu saberia... Antes de ir embora, aproveitei que ele é meu amigo e pedi pra ver de perto o tal endro. É da culinária alemã.

Durante a aula, fiquei um pouco apreensiva com o meu amigo. Fiquei preocupada com a possibilidade de não dar certo a receita. Mas aí lembrei que não era eu que estava fazendo e se ele estava ali é porque ele sabia fazer e ia dar tudo certo. Deu tudo certo. Ficou ótimo o macarrão ao pesto. Agora preciso fazer. E temperar a salada com endro.

quarta-feira, fevereiro 21

Na quitanda

Depois do feriado, vem o supermercado, pra repor o que está faltando na despensa. Lá fui eu escolher alguns tomates pra fazer molho. Nossa, uma mulher que estava ao meu lado pegava os tomates com tanta determinação e rapidez que comecei a imaginar que ela deve cozinhar super bem. A família toda deve ter comentado o molho que ia surgir daqueles tomates. Ela dizia alguma coisa a uma terceira mulher, que também era rapidinha. Eu nem me dignava a ouvir a conversa. Afinal, eu tinha que melhorar muito a velocidade pra poder ser aceita naquele bate-papo.

Uma vez, em Curitiba, eu e a minha super-amiga-irmã Cristiana (que está fazendo aniversário hoje) fomos a um supermercado e começamos a reparar num cara que estava escolhendo tomates. Parecia que ele observava todos os detalhes de cada tomate antes de colocar na sacolinha. Nós escolhemos os nossos, fomos comprar outras coisas e, quando passamos novamente na banca dos tomates, ele ainda estava lá. Até ficamos com vontade de puxar papo pra elogiar o cuidado com que ele escolhia os frutos vermelhos.

Eu gosto de fazer comentários com donas-de-casa em supermercado. Como eu nunca fui uma dona-de-casa exemplar parece que puxando um papinho eu me sinto mais inserida nesse universo de panelas. Mas nem sempre elas dão trela, né? Uma vez, eu estava escolhendo cebolas e elas estavam horríveis. Havia um homem e uma mulher na mesma banca. E eu comentei: Nossa, essas cebolas estão feias, né? Eles me ignoraram completamente.

As donas-de-casa mais velhas são mais atenciosas. Dá até pra perguntar se o bom é levar a beringela mais dura ou mais mole. Ou então se aquela folhinha verde é rúcula ou agrião. Elas ensinam sempre com a maior boa vontade. E eu nunca aprendo.

terça-feira, fevereiro 20

Dias de folga

Leio no blog do Márcio Leijoto (http://marcio.tipos.com.br), que ele foi passar o Carnaval em Pirenópolis-GO. Em 2005, eu, o Nícolas e três casais de amigos fomos passar o Carnaval nessa cidadezinha rodeada por cachoeiras. Foi um dos melhores Carnavais que já passei. Eu nunca fui chegada na festa de Baco. Gosto mesmo é dos quatro dias de folga.

Alugamos uma casa longe do centro da cidade, que concentra o barulho dos turistas. Bem cedo, íamos pras cachoeiras antes que chegasse a moçadinha que tinha farreado a noite toda. Quando eles estavam chegando, nós já estávamos pegando o rumo de volta. Na casinha, tinha piscina e rede. Jogávamos War e conversa fora. Um autêntico Carnaval de gente da meia idade.

Em 2006, meu Carnaval já estava mais sexy. Como diria o finado Carlos Silva, mais "sexigenário", em referência aos 60 e poucos anos que ele tinha. Sozinha em Brasília, minha programação foi assistir filmes no cinema e em DVD. Carnaval mesmo, nem na tevê.

Hoje, cheguei do meu Carnaval de Piraju. Piraju já teve um animado Carnaval de rua. Década de 80. Este ano, também mantive distância das festas dos clubes. Foram dias de encontro com meus irmãos e sobrinhos. Dias de lembranças e de saudades. E sobretudo de saber que contamos uns com os outros. E que estamos juntos.

sábado, fevereiro 10

A primeira visita a um campo de futebol

Em janeiro, estive em Santo Antônio da Platina. Fui a trabalho. E me lembrei de quando morei naquela cidadezinha. Era final da década de 80. Eu era recém-formada. Eu sempre soube que meu negócio era jornal impresso, mas o salário era duas vezes maior do que eu estava recebendo e topei a parada.

A TV mantinha uma secretária, eu como repórter, um cinegrafista, um operador de câmara e um motorista. Bons tempos aqueles. Eu morava num hotelzinho no “calçadão” da cidade. Depois do trabalho, nós íamos jogar sinuca nos bares da cidade. De noite, eu jogava baralho com os hóspedes do hotel. Eram viajantes. Eu era bem relacionada.

Foi lá também a primeira vez em que pisei em um campo de futebol. Fui cobrir um jogo do campeonato paranaense. Eu avisei o cinegrafista da minha ignorância sobre o tema. Ele prometeu me ajudar.

A cada lance importante, ele me avisava e eu anotava a jogada, o número do jogador e o momento em que havia ocorrido o fato. E assim passou o tempo. Mais precisamente, assim se passaram dois tempos de 45 minutos além do intervalo.

Findo o jogo, eu teria que gravar um texto para que o material fosse enviado para Londrina. O cinegrafista perguntou: Como foi o primeiro lance? Bem, o jogador havia cobrado uma falta e a bola tinha batido na trave. Aí ele quis saber o impossível: Mas como foi a falta? Eu não tinha resposta.

O cinegrafista era um cara legal. Com paciência, resolveu pedir ajuda para um radialista. Lá veio um rapaz, também cheio de boa vontade, para colaborar com a matéria. E tascou: A bola cruzou o segundo pau e... Antes que ele terminasse, eu já não conseguia mais prestar atenção.

Eu não fazia a menor idéia do que poderia ser um pau dentro de um campo, imagine, então, dois paus? Fiquei apavorada e comecei a chorar. Literalmente. E disse pro cinegrafista: Eu não vou fazer esse texto. Você manda as imagens sem texto. Eles podem me demitir, mas este texto eu não faço.

Eles não me demitiram e eu tive que cobrir todos os jogos do campeonato paranaense que foram realizados naquele ano no Norte Velho. É claro que eu torcia bravamente para que todos os times daquela região fossem desclassificados. O Platinense caiu fora logo; depois foi a vez do Matsubara, de Cambará; mas, a despeito da minha torcida, o União de Bandeirantes foi para a final contra o Coritiba. E eu tive que cobrir todos os jogos realizados em Bandeirantes.

Como cobrir futebol, sem entender do assunto

Cobrir um campeonato de futebol não significa apenas ir aos estádios em dias de jogo. É preciso também fazer matéria sobre os treinos. E isso não é tudo.

Há ainda o coletivo-apronto: o último treino antes do jogo. Ali, um repórter fica sabendo quem provavelmente vai ser escalado para a partida e, se for esperto, qual será o esquema tático do time. Quando você pensa que acabou, você ainda pode ser pautada para entrevistar o técnico do time fora do campo.

Como é que eu, que até hoje não sei nada sobre esquema tático, poderia ser capaz de fazer apenas uma perguntinha para um técnico? A saída foi contar com um assessor.
Um radialista aposentado, muito gente fina, o Dorico, se dispôs a me ajudar quando a pauta fosse futebol.

Ele amava futebol e ia conosco a todos os treinos, coletivo-apronto, jogos e entrevistas. Me ajudava nos textos e soprava as perguntas que eu tinha que fazer. Uma vez um técnico até elogiou: Você está aprendendo, hein?

O Dorico já morreu. Eu continuo sem entender de futebol. E quando vejo uma repórter mulher cobrindo futebol na tevê eu me pergunto: Como é que ela consegue?

segunda-feira, janeiro 1

Todas as minhas mães


Quando eu era pequena, tive muitas vezes crises de bronquite. Me lembro de algumas noites, com febre, em que minha mãe se deitava comigo em minha cama. Eu via umas figuras grandes que me assustavam. Perguntava se ela estava vendo também. Ela dizia que não, que eu estava delirando. E ela dizia, docemente, que gostaria de sentir minha dor em meu lugar, para que eu não sentisse nada. Isso me trazia um grande conforto.

Quando eu estava na faculdade, uma doença a deixou com grandes seqüelas. A princípio eu a rejeitei. Queria minha mãe de volta. Como era antes. Com o tempo, aprendi a conviver com esta outra mãe. E meu amor se renovou.

Ela passou ainda por outros momentos difíceis que mudaram novamente sua vida. Sempre me aparecia uma nova mãe. Eu sempre sentia saudades da anterior. E tive que readequar o meu amor tantas vezes quantas foram necessárias. Ela nunca arredou pé do seu amor por mim.

Agora, mais uma vez, uma outra mãe. Junto com as saudades, sinto medo. Medo porque sei que ainda vou sentir falta desta mãe que, apesar de tudo, ainda mantém sua doçura, seu amor e sua queridez.

quarta-feira, dezembro 20

Jogo rápido

(foto de Piraju, minha cidade do coração)

Hoje eu fiquei com pena da Renata Sorrah. Além de ter o filho seqüestrado e um marido banana, teve que agüentar as palavras de consolo da Regina Duarte e daquela chata da personagem da Deborah Evelyn. Credo! Ninguém merece essa vizinhança.

Eu bem que me esforcei pra sair hoje. Afastei todos os pensamentos que tentavam me convencer a ficar em casa, caprichei no visual, passei perfume, mas quando eu cheguei à garagem notei que estava chovendo... Peguei o elevador de volta, sem o menor constrangimento. Insistir em sair seria ir contra a natureza. Eba! Adoro ficar em casa quando está chovendo...

Piraju é uma linda cidade. Perfeita pra descansar. Em três dias, três livros: Os Jornalistas (Balzac), chato de ler; O Segredo de Joe Gould (de um jornalista americano, que conta a história de um mendigo de Nova York - muito bem escrito); e Canto dos Malditos (que deu origem ao filme Bicho de 7 Cabeças).

Quando assisti ao filme, eu tinha a sensação de estar levando um soco no estômago. O livro parece que foi escrito numa sentada só, como se o autor estivesse contando oralmente o inferno que viveu nos manicômios. Tudo bem que cada um carrega suas dores na vida, mas algumas pessoas passam por situações de sofrimento tão grande que fogem à nossa compreensão.

Em Piraju, nadei dois dias seguidos no rio Paranapanema. Gelado de arrepiar. É o rio da minha infância. Lindo ele. Quando eu estava na quinta série, houve uma tentativa de uma fábrica de celulose, a Braskraft, se instalar na cidade. Lembro que na escola tomamos conhecimento de que aquela fábrica iria poluir o rio. Houve uma grande mobilização na cidade para impedir a vinda da fábrica. Fizemos cartazes. Só sei que a Braskraft teve que procurar outro lugar. Será que foi nesse episódio que aprendi a me rebelar?

Amanhã volto pra Piraju e pro Paranapanema. Londrina, só em 2007.

domingo, dezembro 10

Dois fimes e um comercial

Assisti esta semana ao filme Os Infiltrados, de Scorsese. Como eu não gosto de filmes com gente que mata e morre o tempo todo, confesso que fiquei surpresa. O filme é ótimo, mesmo que em algumas cenas de violência eu tenha fechado meus olhos. É infinitamente melhor do que Gangues de Nova York, do mesmo Scorsese, e do qual eu não gostei.


Em Os Infiltrados, você vê polícia e bandidos usando os mesmos métodos nojentos pra chegar onde se quer chegar. Como na vida real. E se dá conta de que as instituições, de modo geral, sempre consideram suas causas melhores que as dos outros para justificar suas ações. Vale tudo quando se está do lado certo. O final é inesperado.


Jack Nicholson, quase setentão, continua lindo e charmoso, além obviamente de ser ótimo ator. E Leonardo diCaprio está muito bem. Esse menino me surpreendeu já em Prenda-me se for capaz. Conseguiu se dissociar da imagem de bom moço, com cara de anjo (argh!), que arrancou suspiros e gritinhos das mocinhas em Titanic.


Também conferi Crash – No Limite, que ganhou Oscar de melhor filme em 2006. Perdi no cinema, mas vi em DVD. Adorei. Sem ser piegas, mostra o quanto a intolerância está impregnada nas vidas de todos nós, brancos, negros, árabes. E o quanto nos afastamos de nossa humanidade por conta dos medos que temos do que nos é estranho, embora esse estranho seja um igual. São várias histórias contadas de tal forma que é difícil prever o desenrolar de cada uma.


Para concluir, a propaganda da Schincariol que mostra uma mulher que vai consultar um guru para saber como agir diante da traição do marido (aquela do colarinho sujo de batom) é uma das mais idiotas que já vi nos últimos tempos. Fico cá pensando que um publicitário tem que ser muito idiota para “bolar” uma propaganda como aquela. É um atentado à inteligência e ao bom senso de qualquer pessoa. Talvez seja pra combinar com a cerveja Schincariol, que também é um atentado ao bom gosto. Ainda bem que no cinema não tem propaganda no meio dos filmes...

terça-feira, novembro 28

"QUEM TEM FAMA DEITA NA CAMA"


Guilherme Paccola


Ontem a mídia anunciou a morte de JECE VALADÃO, conhecido no filme mostrado ontem na GLOBO, denominado o CAFAJESTE, como sendo sua característica e ser tachado de machão. No Aurélio cafajeste significa ‘indivíduo de baixa condição’, ‘indivíduo sem maneiras, vulgar’, ‘indivíduo infame, desprezível’.

Coitado do JECE... pois anunciaram que ele participou de mais de 100 peças como ator, tanto no teatro, no cinema, como na televisão. Adoro ler e ver notícias e não me lembro de vê-lo envolvido em alguma confusão no dia-a-dia, muito menos alguma notícia de que agredira algum ser humano. Pelo contrário, fiquei até surpreso em saber que tivera 09 (nove) filhos.

Pelo seu histórico particular não senti cafajestada alguma. Pelo contrário, vi uma notícia que até se tornou evangélico e se redimiu ao assumir que foi ausente para com seus filhos. Ser ausente não é sinônimo de cafajeste. Nunca tive conhecimento nem o vi envolvido em nenhuma operação tipo sanguessuga, vampiro, muito menos com dinheiro sujo. O coitado ainda era portador de diabetes e sofria com problemas decorrentes do cigarro.

Não estou aqui para defendê-lo, pois todos temos telhado de vidro, mas apenas achei engraçado uma pessoa que não me parece ter feito mal algum à sociedade, a não ser a si mesmo (o que também não posso ter certeza disso), e ao morrer, ser intitulado ‘o cafajeste’. Vários reeleitos foram e são bem piores que ele, com certeza, e estão e estarão mais 04 anos nos representando como legisladores e punidores com suas metralhadoras denominadas CPIs.

segunda-feira, novembro 27

Transações monetárias na infância

Quando eu tinha 5 anos, meus irmãos mais velhos iam para a escola no período da tarde, e eu e minha irmã, de 4 anos, ficávamos em casa. Ainda havia um outro, de 2, que era muito pequeno para participar desse episódio.

Meu irmão de 10 anos tinha um cofrinho muito bonitinho. Era uma casinha. As moedas eram colocadas pela chaminé. Para tirar o dinheiro, era só abrir a portinha da casa com uma chave. Eu descobri essa chave.

Durante alguns dias, quando passava o sorveteiro na porta de casa, eu ia até o cofrinho, retivara umas moedas e comprava dois picolés: um pra mim e outro pra minha irmã. Até que chegou um dia em que o dinheiro só foi suficiente para um sorvete, que nós duas repartimos.

Era um sábado quando meu irmão descobriu que fora roubado. Ele chorou. E, inocentemente, contei que eu havia comprado sorvete com aquelas moedas. Minha mãe me deu um tapa rápido. Eu fiquei com pena do meu irmão. Mas eu tinha apenas 5 anos e não havia a menor possibilidade de ressarcimento.

Um tempo depois - eu devia ter uns 8 ou 9 anos, quando ganhei um maço de calendários. Hoje em dia não há mais calendários como aqueles. Eram pequenos. De bolso. De um lado, uma foto; do outro, a propaganda de alguma loja e um quadro com os meses do ano.

Era um maço grande. Acho que havia uns 50. Mostrei para meus dois irmãos, alguns anos mais velhos, e que colecionavam calendários. Logo eles fizeram uma proposta para comprar os meus. Eu aceitei.

Fui toda feliz mostrar para minha mãe o dinheiro que havia recebido com a venda. Ela olhou e disse: Esse dinheiro é antigo, não vale mais! (Provavelmente era dinheiro de alguma outra coleção dos meninos).

Eu fui lá reclamar meus direitos. Eles nem deram bola. Argumentaram que eu havia vendido e não tinha mais jeito.

Mais tarde um pouco, eu e minhas duas irmãs (com idades de 9 a 12, acredito) fomos convidadas pelo meu irmão, de 13, a participar de um clubinho que ele havia fundado. Tinha até uma musiquinha. Ele pegou uma música de um programa do Silvio Santos e colocou uma letra que dizia como o tal clubinho era bom.

Nós nos associamos e, obviamente, tínhamos que pagar uma mensalidade pra ele, que era o presidente. Devia ser uma mensalidade compatível com a nossa renda - algumas moedas. De qualquer modo, isso durou pouco. Nós percebemos a tempo que aquele clubinho era uma enganação e ficamos inadimplentes.

Ainda bem que nós crescemos e paramos de fazer esses negócios...

domingo, novembro 26

Cremes, cores e cheiros


Ao lado da cama, uma penteadeira. Ali, vários potes e tubos de cremes. De todas as formas, cores e cheiros. Uns, terapêuticos; outros, com funções estéticas. Todos os dias, após o banho, ela me pede para passar os cremes em seu corpo. Tem uma seqüência que eu nunca decoro, e que ela pacientemente repete a cada ritual.


Começamos pelo rosto, pote branco, cheiro de erva doce. Percorro a testa, as bochechas, o queixo, nariz e o pescoço. Depois, vamos para as pernas. Creme para circulação. Aproveito para massagear. Ela gosta.


Em seguida, os pés. Faço movimentos firmes. Começo pelos calcanhares, peito do pé, sola, dedos. Me detenho um pouco. Sei como é bom quando alguém nos massageia os pés.


Na hora dos braços, peito e costas, há duas opções: creme rosa, de morango, e marrom, de chocolate. Durante o dia, chocolate; antes de dormir, morango. Não é uma escolha aleatória. Ela explica: tem medo de dormir com o cheiro de chocolate no corpo e atrair algum bicho. Eu dou risada. Digo que os cremes não têm açúcar. Ela também ri. Acredita em mim. Mas prefere não arriscar.


Hoje temos um novo creme: arnica com mentol. Para pernas e pés. Eu sugiro aguardar que os outros acabem para começar este. Ela pergunta: Será? Eu cedo ao seu apelo: Afinal, por que resistir àquele gel, de um verde claro translúcido tão refrescante?

(Imagem: Lúcia Marques - título Figura Feminina)