sexta-feira, junho 13

"Quem disse que só se morre uma vez?"

Morreu, no final de maio, Austregésilo Carrano, autor do livro Canto dos Malditos, que inspirou o filme Bicho de 7 Cabeças, de Laís Bodansky. Quando assisti ao filme, fiquei com a sensação de ter levado um soco no estômago. Aos 17 anos, Carrano foi internado pelo pai num hospital psiquiátrico. O pai havia descoberto que o filho fumava maconha. Carrano recebeu eletrochoques e muita medicação. Até os 20 anos passou por várias instituições psquiátricas. Essa terrível experiência marcou para sempre a vida de Carrano.

Ele tentava na Justiça receber reparação pelos danos sofridos. Mas, em 2002, a Justiça proibiu a venda de seu livro, a pedido da família de um médico psiquiatra (um dos responsáveis pela clínica onde o autor foi internado e sofreu maus tratos).

Logo depois, num evento em Londrina contra a luta antimanicomial, entrevistei Carrano e comprei o livro proibido. Ele era um homem muito bonito. Ficou com seqüelas físicas e emocionais. Li o livro anos depois. O relato é chocante. Carrano morreu de câncer aos 51 anos.

O livro foi liberado em 2004. Abaixo reproduzo trechos de um poema escrito por ele, que está nas primeiras páginas.

Seqüelas... e ... seqüelas

Austregésilo Carrano

Seqüelas não acabam com o tempo. Amenizam.

Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim. Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro.

(...)

Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original. É ser condenado à morte várias vezes.

Quem disse que só se morre uma vez?

(...)

A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na abertura da porta, rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado, tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado... escuto parte do meu gemido.

Quem disse que só se morre uma vez?

(Poema das 4 horas de espera para ser eletrocutado... – aplicação da eletroconvulsoterapia)

4 comentários:

Paulo Augusto Sebin disse...

Oi. Não sei se lembra de mim, mas fui seu aluno na UNOPAR. Parabéns pelo blog e conteúdo recheado nele.

carina paccola disse...

Oi, Paulo, me lembro sim de você. Obrigada pelo comentário. Ultimamente eu tenho atualizado muito pouco o meu blog. bj

Rafael disse...

Ele era foda. Uma vez ouvi o cara falando aqui em bsb, nunca esqueci. Foi um bravo até o final e deixou seu legado. Mas a luta dele está aí, pra ser continuada. Por nós, pq não? Sensibilizar-se pro tema já é um passo adiante.
Saudades!
Beijos.

carina paccola disse...

Rafa, querido. Muitas saudades de você. Um super grande beijo