Diferenças urbanas
Em Brasília, não há pombas. Ou melhor, elas existem, mas não chegam a incomodar. Nos quase dois anos em que morei lá, meu carro nunca foi alvo dos pombinhos. Nem minha cabeça. Talvez porque haja predadores em abundância. Também não me lembro de ter visto naquele céu qualquer ave de rapina. Já outros seres hábeis na rapinagem estão concentrados numa famosa praça - afinal, em Brasília, tudo tem o seu devido lugar.
Além do número reduzido de pombas, também me alegrava que no trânsito quase não circulam motocicletas. Há poucos motoqueiros em Brasília. Nossa! Será que existe alguma relação entre motos e pombas?
Em compensação, é assustador o modo como dirigem os motoristas das vans e dos ônibus dentro da cidade. Parecem uns loucos. Eles saem dos pontos de parada sem nem olhar se vem vindo, por acaso, algum outro veículo. Dá muita raiva! Isso me incomodava tanto que mudei o trajeto de retorno à minha casa, na hora do almoço, usando uma via onde eles não podem circular. Aumentava um pouquinho a distância mas eu me sentia super esperta por ter encontrado uma saída para evitá-los.
Agora o que me deixava mesmo mais feliz de tudo é o fato de que em Brasília não existe zona azul. Quando você estaciona seu carro, não aparece ninguém com um bloquinho na mão perguntando quanto tempo você vai demorar. Eu fiquei sabendo que, quando o governo do DF tentou implantar o sistema de cobrança para estacionar na via pública, os motoristas boicotaram a medida: ninguém parava o carro nos locais de pagamento obrigatório. Os motoristas entupiram com seus carros as quadras residenciais causando tantos transtornos para os moradores que o governo teve que voltar atrás.
É claro que existem flanelinhas. Mas eles são diferentes. Primeiro, que você pode pagar 25 centavos que ninguém reclama. Ou ainda, se você disser que está sem grana, eles também não se queixam. Eu deixava meu carro estacionado em frente ao trabalho o dia todo e, no final do dia, deixava um real para o guardador e estava tudo certo. Na área de estacionamento havia pelo menos 15 guardadores - todos adultos. Da mais absoluta confiança. Com o tempo, aprendi a enxergar a linha imaginária que divide a área de cuidado de cada um. Eu, particularmente, gostava sempre de parar meu carro perto de um senhor de cabelos brancos, bigode e chapéu. Para lavar meu carro uma vez por mês, ou eu deixava a chave ou eu deixava as portas destrancadas. Nunca tive nenhum problema.
Havia alguns mais abusados. O Antônio, por exemplo. Ele já vinha abrindo a porta do carro - eu não gostava disso. E, mesmo que eu estacionasse fora da área de sua jurisdição, ele vinha ao meu encontro para pedir dinheiro para um café. Falava sempre na terceira pessoa: - paga um cafezinho pro Antônio. Muitas vezes eu pagava. Ele era gente boa, mas eu preferia o velhinho que era mais discreto. Uma vez, sumiu o Antônio. Passaram-se vários dias e nada de vê-lo. Devo confessar que até gostei porque às vezes eu o achava meio inconveniente. Um dia, no trabalho, descobrimos a razão do sumiço. Alguém apareceu com um recorte de jornal estampando a notícia de um crime e a foto do Antônio: ele havia matado seu irmão com uma faca. Alguns dias depois, lá estava ele de volta. Agimos como se nada tivesse acontecido. Ele continuou com suas gentilezas que nem sempre me agradavam e eu continuei pagando alguns de seus cafezinhos.
No meu último dia de trabalho em Brasília, saí muito tarde e não encontrei mais o senhor dos cabelos brancos. Fiquei chateada porque queria ter me despedido dele. Na manhã seguinte, um sábado, quando eu viajaria definitivamente de volta a Londrina, deixei o carro no posto para fazer revisão antes da viagem. Enquanto isso, a Gabi levou o Nícolas e eu para, finalmente, tomarmos o que ela considera a melhor vitamina de Brasília - e realmente é muito boa. Afinal, ela dizia, não era possível que nós fôssemos embora sem ter experimentado tal vitamina. Na volta, pedi a ela para passarmos no estacionamento do meu trabalho. Lá estava ele, com seu chapéu. Foi uma despedida rápida, mas que deixou meu coração mais leve para o retorno.
sábado, agosto 19
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14 comentários:
putz, que lindo isso, carina!!!beijos
Só não vai querer voltar para Brasília, né? Peloamordedeus! Beijocas, lindinha.
ah, não, Cris, são saudades contidas. Vou voltar lá para passear e rever amigos queridos. Beijos
Carina, tô gostando muito dos seus textos (crônicas? artigos?), mas ainda não vejo "sua alma" neles. Eu sei que são anos de jornalismo, praticando a imparcialidade e o tom comedido para dar mais credibilidade. Mas uma pessoa como vc já pode mandar a credibilidade para aquele lugar e se despir e soltar a fran... hehehe.. quero dizer, a Carina que nós, seus amigos, conhecemos tão bem. Aquela Carina que é única, impagável e insubstituível. Quero ver essa Carina aqui nesse blog. Pois é injusto só poucos privilegiados a conhecerem. O mundo precisa saber quem vc é! Quando isso acontecer, muita coisa vai mudar. Hehehehe... Amo-te e já vou linká-la ao meu blog. Beijocas de língua! Cris
cristiana, vc me faz rir muito, como sempre! vc tem razão em relação a deixar meu texto mais solto. é justamente essa minha intenção, tentar deixar as idéias fluírem mais livremente. mas, como vc bem diagnosticou, não é fácil se livrar da formatação jornalística sempre em busca da objetividade. e pare de revelar esse seu amor, assim, publicamente. hahaha
beijos comportados, carina
Pô Carina, se quando eu crescer eu vier a escrever assim, acho que vou ficar de ótimo tamanho: grande escritora! Bjouxs.
Carina, Carina:
Escreva mais, estamos esperando!
Solte-se, precisamos ouvir sua voz (lembra o que eu falei na palestra?).
Um beijo.
Ca, minha amiga...sabe que eu mudei de estacionamento e ainda não consegui substituir o lavador de carro. Eu também gosto desse senhor que você citou. E o Antônio...ele realmente é bem abusado (sempre chamando a gente de princesa, rainha...kkkk)...sem contar a história triste do assassinato no irmão...Muita saudade de você...to querendo te contar...sabia que o Daniel vai sair da ANDI também? Agora seremos só eu e Dani, as últimas moicanas...que tristeza...
beijos, amiga!
P.S. Espero fazer um post mais animado da próxima vez! :-)
Carina,
moraste pouco tempo em Brasília e pelo visto não conheceu as cidades satélites. Aqui não só há centenas de pombos (que cagam no meu carro inclusive na garagem do meu prédio), como milhares de motoqueiros, que estão cagando para as regras de trânsito.
Carina,
moraste pouco tempo em Brasília e pelo visto não conheceu as cidades satélites. Aqui não só há centenas de pombos (que cagam no meu carro inclusive na garagem do meu prédio), como milhares de motoqueiros, que estão cagando para as regras de trânsito.
Um beijo,
Rilton
Oi, Ca...
A Vivi me contou que aqui posso encontrar um pouco de Carina Paccola, além da profissional em Comunicação..
Que bom, vou ler muito!
Sobre os pombos, no Plano eles se concentram no Pombal do Congresso, fazendo cagadas como ritual para permanecerem na Esplanada.
Em Taguatinga, pelo menos, onde moro, desviar de pombos é quase uma missão impossível. Não é raro encontrar um pombo atropelado ou eletrecutado. Por sorte, ainda não bati em nenhum. E nem quero, pois, caso se revoltem, há número suficiente para a continuação da série de filmes Os Passáros 3,4, 5 ...
Bjosss, Ca..nos vemos por aqui...
que bom que tomou coragem.
não dói nada ter blog. eu diria que funciona como terapia gratuita, além de outros benefícios.
bem, espero que agora seja mais fácil saber como você está.
beijos saudosos, apesar da pouca distância
leybs e brasiliense anônimo,
Nossa, que visão restrita a minha de Brasília, né? Realmente no Plano Piloto não há pombos; até eles estranham, acho, aquela forma de viver: preferem as cidades satélites, que são mais parecidas com as cidades normais. Ou, então, como o Leybs disse, estão concentrados no Congresso onde as cagadas são liberadas...
Beijos
Gábi, a nossa proximidade ainda não nos aproximou, né? Beijos
Pô, tô adorando isso aqui, Carina! Só tem comentário de gente inteligente, uai! Bacana!
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