sexta-feira, maio 25

Frio? Tô fora...

A um amigo, que acha exagero alguém reclamar desse frio

Eu não preciso ler os termômetros espalhados pelas ruas nem acompanhar as matérias sobre a meteorologia para saber que o frio chegou.

O meu nariz se encarrega de me avisar que está inspirando ar gelado ao devolver coriza e espirros.
O meu estoque de lenço de papel baixa rapidamente de uma hora para outra.

O antialérgico passa a ser item permanente dentro da bolsa.

A hora de levantar é um suplício. E a de deitar também.

Só me convenço de que tomar banho ainda é indispensável quando a água escorre quentinha sobre mim.

Fico prorrogando as idas aos banheiros porque elas significam tomar um ventinho frio no traseiro e ter que molhar minhas mãos.

Fico adiando qualquer atividade que envolva água, como lavar louça e até mesmo matar a sede.

O xampu fica mais espesso e demora a chegar às minhas mãos.

Eu me torno ainda mais caseira e não me animo a sair mesmo diante de programações culturais legais.

Tenho que movimentar meus pés várias vezes ao dia para que eles não endureçam.

Passo a comer mais rápido porque há uma queda significativa na temperatura da comida entre a primeira e a última garfada.

As blusas e casacos tornam meus movimentos mais lentos.

Agradeço por não morar em Curitiba e em nenhum país de clima frio.

E me lembro de que quando está muito quente eu repito: entre os dois extremos, eu ainda prefiro o super calor.

Ou seja, frio eu só gosto de ver em fotografia. E, como um dia já foi suficiente para eu usar meu casaco novo, pode voltar o calor que eu já estou com muitas saudades.

segunda-feira, maio 21

Eu, empacotada

Tem dias que é bom pensar num grande pacote e colocar ali tudo em mim que me incomoda, que me tira o sono. Meu cérebro, rapidamente, só seleciona as últimas cenas péssimas de minha vida. A retrospectiva mental dos piores momentos mais recentes. Assunto mal escolhido numa roda de amigos; comentários dispensáveis; contação de histórias idiotas; lembranças que não deviam ter sido compartilhadas; atitudes equivocadas. E, fio a fio, me sinto a pior da humanidade. Pra desocupar minha mente desse auto-julgamento, vou colocando tudo num pacote, num grande pacote, que fica cada vez maior. Quero preencher logo o pacote pra me livrar dele o mais rápido possível. Passo a me lembrar o tempo todo de que isso faz parte da minha humanidade, de que todos esses defeitos são possíveis apenas porque sou humana. Tento me consolar com a consciência da minha composição humanóide. Largo, enfim, o pacote, vencida pelo peso do sono. Fecho mentalmente os já fechados olhos. Quando acordo novamente, vejo que uma luz fraca ameaça entrar no ambiente. O sol, mesmo escondido entre nuvens, aquece um pouco meu coração e me anima a pular da cama. Sei lá se ao longo do dia vou conseguir me desfazer definitivamente dos meus defeitos ou se, na próxima noite, eles estarão lá a me assombrar.

sábado, maio 12

Melhor não tê-los?


O melhor das mães são os filhos. Hoje eu recebi o cartão mais lindo do mundo de Dia das Mães (deste ano, né?). Como é que pode aquela barrigona ter virado um menino que já está do meu tamanho, com os pés maiores do que os meus e que já tem suas próprias opiniões sobre muitas coisas da vida? Ao chegar em casa após a saída do hospital, com um bebê enroladinho, sinceramente senti vontade de sair correndo. O que eu vou fazer com isso?, me perguntava. Confesso que não foi fácil. Os primeiros dias como mãe já foram suficientes para derrubar o mito de que ser mãe é a coisa mais linda do mundo. E também para me fazer desistir da idéia de ter seis filhos. A noção de que aquele ser depende inteiramente de você para sobreviver é apavorante. O teste do pezinho, alguns dias depois do parto, na verdade é um teste para avaliar a capacidade de auto-controle das mães para não estrangularem a enfermeira que fura e espreme o pé do seu bebê para literalmente tirar sangue enquanto ele berra de dor. Sem falar das inúmeras vacinas que vão arrancar lágrimas de seu menino diante de você, que se desdobra em afagos e palavras de consolo. Para poder trabalhar e continuar sendo mãe, você ainda terá que percorrer dezenas de berçários e optar por um para depois morrer de culpa se descobrir que fez a escolha errada. Isso irá se repetir em outras fases da vida da criança. Você ficará chocada quando perceber que não controla tudo na vida de seu filho. Mas essa descoberta vem cedo. Ainda na fase do berçário, quando ouvi-lo falar uma palavra que não foi você que ensinou. E também ao ouvir as professoras contarem gracinhas feitas por ele na sua ausência. O que mais me surpreende até hoje e no fundo me causa uma grande felicidade é ver meu filho desenvolver seu próprio pensamento e construir opiniões sobre temas que você não se lembra de ter conversado com ele. E ver que ele também apreendeu valores ensinados por você, como respeito e solidariedade, e que é sensível à dor dos outros. E é tudo verdade quando dizem que você só compreende seus pais quando tem um filho. E também é verdade que o amor que você tem por seu filho é o maior amor do mundo, é ilimitado e incondicional. E eu sempre tenho a certeza de que o amor que sinto hoje por ele é maior do que foi ontem e de que amanhã será maior do que é hoje. Que coisa, hein? E eu não acho que ser mãe é a coisa mais linda do mundo – como nos querem fazer crer. Para mim, ser mãe é construir uma relação permeada de cuidados, responsabilidades, desapegos, tolerância, incertezas, inseguranças. Não há mágica nessa história. E vale a pena!

Imagem: "Mother & Child" , de Gustav Klimt

quinta-feira, maio 10

Dez de maio

Hoje faz um ano de um dia feliz. Tento reconstituí-lo na memória. No trabalho, correria. Precisava terminar relatório, boletim e muita coisa porque era minha última semana de emprego. Devia deixar tudo em ordem. Não lembro do almoço. Só da briga boba com o Ní que insistia em ouvir Tim Maia no carro e eu já não agüentava mais A semana inteira, fiquei esperando... Queria ouvir o CD novo da Marisa Monte. Depois de um tempão sem música no carro, agora tinha um toca-cd novíssimo comprado para encarar a viagem de volta. Eram 1.200 km. Não dá pra encarar 1.200 km sem música. Deixo o menino na escola e sigo pro trabalho ouvindo MM. No estacionamento em frente ao trabalho, não havia mais vaga. Tive que deixar o carro 100 m distante. Não gostava desse outro estacionamento. Não conhecia os guardadores. E foi ali que roubaram meu toca-fitas antigo e barato bem no Dia da Mulher, um ano antes. No encerramento do expediente, combinei com alguns colegas uma paradinha de despedida no Beirute. Eram 19h. Estava falando ao celular com uma amiga, quando percebo que está difícil abrir o carro com a chave. Intuio rapidamente o que aconteceu. Da outra vez também foi assim. Eles forçam a fechadura, entram e levam o seu som. Pode ser som porcaria. Não importa. Quando constatei que era verdade, comecei a chorar de raiva. Minha amiga, no telefone, tenta me consolar. Entro. Não havia mais toca-cd. Nem a música nova da MM. Liga outro amigo. Chorando, explico o que aconteceu. Tinha aproveitado uma promoção no Extra. Toca-cd baratinho, em dez vezes, com instalação gratuita. Ele sugere: Vai lá e compra outro. Assim você não fica sentindo tanto... Pelo menos a frente do toca-cd estava comigo na bolsa. Pelo menos não conseguiram tudo. Pego o Ní na escola e rumamos pro Beirute. Cerveja, risadas, conversas tolas. Um leve friozinho. Incidente esquecido. Ganho até presente. Presente atrasado de aniversário... Mas a felicidade veio depois. Do inesperado. Coisa boa que não mais se espera fica ainda mais boa. Traz um sorriso de orelha a orelha. Vira segredo. E segredo a gente não conta. No dia seguinte, cedinho, antes do trabalho corri no Extra (ele não fecha nunca) e comprei o último toca-cd da promoção, que estava ainda mais barato. E me deixei mais feliz ainda...

Imagem: pintura de Sultanov Yuriy


Com aveia, com afeto

Com sete filhos, minha mãe tinha muitas opções de viagem. Embora tivesse sua própria casa, ela ficava alguns períodos com cada um de nós. Quem a recebia, tinha que ter na cozinha alguns produtos básicos: açúcar mascavo, aveia, banana, pão integral.

Mas não era assim tão fácil. O açúcar tinha que ser o mais escuro que você encontrasse. Se não, nem adiantava. Se você comprasse um clarinho, depois ia ter que ir atrás de um mais escuro. O mesmo acontecia com a aveia, que tinha que ser em flocos grossos. Banana tinha que ser nanica, não muito madura. E o pão, de preferência da marca Nutrella sabor iogurte, cenoura e mel. Ela até aceitava outro se não tivesse este.

Com o tempo, tornou-se natural atender a esses pedidos. Em 2005, nos dois meses que ela ficou em casa, em Brasília, até me habituei a comer aveia diariamente. E também passei a preferir os flocos grossos.

Em junho do ano passado, já em Londrina, ela foi morar em minha casa. Foi um exercício mútuo de paciência e tolerância. E um clima de muito afeto. Até que ela me surpreendeu: Eu quero aveia de flocos finos. Sem entender direito, não deixei faltar nenhum tipo de aveia na prateleira.

Um dia, no supermercado com minha irmã, eu procurava aveia para a minha mãe. Minha irmã lembrou: Tem que ser de flocos grossos. Eu expliquei: Não, agora ela quer de flocos finos. Nós rimos.

Agora leio uma matéria que fala que o farelo de aveia (os flocos finos) traz mais benefícios à saúde do que a aveia de flocos grossos. Minha mãe sabia das coisas. Na próxima compra, eu já vou trocar a textura da aveia. Vou fazer questão dos flocos finos.

Imagem: ©Malka 2002

segunda-feira, maio 7

Tempo e dinheiro

O dinheiro
Sábado eu estava saindo de um supermercado com o carrinho cheio e na única passagem rebaixada da calçada para a rua havia a roda traseira de um carro-forte que devia estar abastecendo algum caixa eletrônico por perto. Eu tive que me espremer para conseguir passar naquele espaço. É lógico que fiquei olhando fixamente para a cabine do carro para mostrar que eles estavam incomodando. E fiquei pensando que eles poderiam pensar que naquele carrinho havia uma bomba ou uma arma e poderia ser uma tentativa de assalto. Sei lá. Vai saber o que se passa na cabeça daqueles caras armados. Mas eu não devo ter cara de assaltante e eles nem desconfiaram dos meus pensamentos.

Todo carro-forte sabe que pode ocupar todos os espaços que quiser. Mais do que as finadas Torres Gêmeas, para mim, o carro-forte é o emblema máximo do capitalismo. Ou do lugar que o dinheiro ocupa na sociedade. Eu sempre penso nisso quando vejo um. Na verdade eu acho engraçado ver aqueles caras ultra-armados em torno do carro-forte e do caixa eletrônico. Unicamente para proteger quem? Eu sempre penso nisso. Até parece que do carro vai sair o Bush, ou o Papa, ou alguém considerado muito importante, que pode sofrer um atentado. Mas, não. É só o dinheiro que está dando uma voltinha.

O tempo
E quando toca o despertador de manhã, eu penso que, além do dinheiro, o tempo controla nossa vida. Tudo o que fazemos é calculado em porções de tempo. Isso também é engraçado. Cumprimos nosso trabalho em função de um tempo previamente calculado. O trabalhador escuta o relógio para saber a que horas deve deixar o seu trabalho. E sabe que tem outra porção de tempo para comer e voltar ao trabalho. E também quanto tempo foi destinado para seu sono à noite.

O tempo é nossa referência de vida. Sem calcular o tempo, será que enlouqueceríamos? Por que nos filmes quem está cumprindo anos e anos de pena fica preocupado com o tempo? Por que precisamos sempre ficar calculando quanto tempo temos para isso e aquilo se na verdade não sabemos quanto tempo temos ainda? É porque não sabemos quanto tempo temos que calculamos o tempo? Para dar tempo de fazer tudo o que queremos antes que se encerre o nosso tempo final?

Quem tem dinheiro consegue dispor melhor de seu tempo? Ou quem não se preocupa muito com dinheiro, ou para quem o dinheiro não é o centro de suas atenções, tem mais tempo livre para fazer o que bem quer? O que é mais importante: o tempo ou o dinheiro? O tempo de quem tem dinheiro vale mais do que o tempo de quem não tem? Por isso, então, que tempo é dinheiro?


sexta-feira, maio 4

Saudades

Tanto tempo sem tempo pra escrever que quando fui responder alguns comentários, errei a senha duas vezes... Nesse período, tive tantas idéias pra postar que elas já foram esquecidas. Uma vez alguém disse que se a idéia for boa ela volta, se não é porque não era tão boa assim. Trabalhar 8 horas por dia diante do computador me fez manter distância do teclado em casa. Isso talvez explique essa ausência prolongada.

Acabo de chegar do shopping com o Ní. Não conseguimos assitir ao novo Homem Aranha de tão grande que estava a fila. Mas ocupamos o tempo atrás de roupas de frio para ele. Encontramos algumas peças. Já dá pra encarar o friozinho que está cada ano mais tímido. Agora, é fazer uma limpa no armário pra substituir as roupas pula-brejo pelas novas.

Quando entramos na sala, lembramos de minha mãe e deu tantas saudades. Se ela estivesse aqui, ia ver as roupas novas do Ní e dizer que são lindas. E a gente ia abrir a porta preocupados porque nos demoramos muito. E ela ia dizer que não demoramos, não. Que ela ficou bem.

Ela gostava de bolinhos de bacalhau. No caminho da fisioterapia, um dia, ela viu um restaurante que anunciava os tais bolinhos. Pronto. Toda semana ela pedia. Era muito bom. Uma porção tinha 12 bolinhos. Eu e o Ní íamos à noite comprar. O cara fritava na hora e eu os trazia quentinhos. Era muito bom.

De vez em quando ela pedia pastel. De palmito e de queijo. Eu ia buscar na rua Sergipe, na melhor vitamina de Londrina. Preciso voltar lá.

Quando eu brigava com o Nícolas, briguinha de mãe e filho, ela ficava brava comigo. Queria protegê-lo. "Não fale assim com ele", dizia. Uma vez eu falei: "Ah, mãe, não interfira". E o Nícolas: "É, vó, deixa a gente brigar em paz!"

Saudades de todos esses momentos. Ainda bem que existiram esses momentos. E essas lembranças agora ajudam a suportar as saudades. Esse post ficou assim meio sem pé nem cabeça. É só um aquecimento. Vou resgatar as idéias antigas porque acho que eram boas idéias e vou escrever com mais assiduidade.